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segunda-feira, 13 de julho de 2009

Em busca do tempo perdido #4


Estava insolente, melancólico. Deitado no sofá adormeceu de cansaço e tédio. Incutido pela façanha amorosa de Noah e Allie imaginou-se com a cabeça no colo da jovem de franja e esperava que ela lhe cofiasse o cabelo enquanto ele aflorava ao de leve, as riscas vermelhas das meias que lhe cobriam as coxas bem esboçadas.
Sentia os desenhos que ela lhe fazia com as unhas sobre o pescoço. Desenhos imperfeitos enquanto lhe dizia “adoro-te” e, que nos seus braços morreria. Ele pensava que de qualquer outra forma também morreria. Queria e gostava de um dia morrer naquele regaço. Uma estúpida e deprimente canção de amor percorria o sonho e cada veia dos seus corpos quietos, em surdina a escutá-la, quase que enganavam quem os visse: talvez pensem que nos amamos. Talvez um dia.
Viajo no teu regaço como um abrigo onde levas contigo os meus olhos de cão triste. Sinto-me criança de novo. Vejo-te uma menininha de saia curta e meias requintadas. E, a franja vem desse tempo?
Avisto dois catraios andando de bicicletas… A pularmos o muro impossível e a corremos sem parar pelo meio dos pinheiros em fintas invisíveis e imprevistas e a terra forrada a mato é o destino fatal quando o anjo do equilíbrio nos falhar. E tanta vez nos falhou.
Enche os bolsos dos calções de nozes, não esqueças… traz o mapa do tesouro, e não desprezes nunca das nozes… podem-nos salvar a vida. Aprendi com o meu avô.
Lá fora, os caracóis insistem na vida, fogem da escuridão e espraiam-se ao sol matreiro. Arrastam-se lentamente pelas folhas verdes, sem horários nem obrigação de voltar para casa antes das cinco para o lanche de marmelada.
Recordas-te daquela senhora que tinha dois filhos trintões e solteirões a viverem lá em casa? E da cena da caixa de correio que ela abria serenamente e donde saiu uma lagartixa e um susto que a levou ao hospital? Sabias bem que a senhora era fraca de coração!
Mas o tempo avança acutilante, e mesmo nos sonhos, apressasse a correr deixando-nos por vezes tristes por despertarmos para a verídica existência. Agora, neste momento já estás vestida com aquelas roupas esquisitas.
Cresceste … e eu?
Eu, não quero crescer. Quero ser sempre o jovem que sonha, que tem medo de envelhecer.
Não quero um dia narrar-te a nossa harmoniosa história enquanto te observas ao espelho e ele te devolve, uma imagem de demência.
Não quero descrever a nossa história a alguém que não a alcança.
Não! Prefiro recordar-te como a menina bonita, com a franja a cobrir-te os olhos esverdeados, saia curta, de coxas bem torneadas e cobertas por umas meias às riscas vermelhas. A menina de roupas extravagantes.
Lembras-te o que te disse naquele dia magnífico Agosto? E a humidade toda que as coxas entrelaçadas prometeram?
Tenho vontade de me deitar contigo agora… e não após a assemia te ter invadido o débil corpo devorado pela doença.
Desejo deitar-me a teu lado, na mesma cama que te acolhe e não te deixar partir, quando cerras os olhos, e eu cruzo os braços sobre o ventre, à tua espera sentindo um frio funesto invadindo-me o corpo e a alma.
Olhas-me nos olhos, como se toda a verdade estivesse neles e explicas-me que as crianças sorriam e cantavam a alegria em gargalhadas, tal como tu o fazias.
Um dia que está a uma imensa distância, como também imensa é toda a água que hoje te salga a pele. Chegaste agora a casa, vinda da praia e uma estúpida alegria baila-te no corpo, na epiderme e nos olhos. Deitas-te na cama. O ténue vestido de linho a antever-te a nudez. Por baixo do vestido reduzido, adivinho a intimidade que hoje ainda me entregarás.
Com a voz que desconheço contas-me que as crianças de seguida compraram gelados; que pegaram nas bicicletas e andaram, andaram, andaram. Deram às pernas nas bicicletas até a pele ficar abrasada e os bafos saírem-lhes pela boca, como as chaminés da fábrica que, da janela do quarto, vemos muito ao longe. Estás feliz, uma sinestesia eufórica embriagou-nos os sentidos e quase dizes amo-te, mas quando peço que repitas, devolves um anda cá. E eu vou. Inseguro, com medo de tanta alegria, preparado para o pior.
Abraço-te. Digo adoro-te, e tu beijas-me o lábio superior, trincas-me o ombro e dizes, “esta vai deixar marca” e aí, ainda fora de mim, cheio de tanta atenção tua, só penso que tens razão, que este momento vai mesmo deixar marca. É certo e sabido que tão cedo não te verei assim feliz.


(Continua)


Texto: JC


Imagem: Google

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