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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Quero esconder-me do mundo


Com a alma em carne viva saí ontem à noite acompanhado simplesmente pela minha sombra, única companhia que ainda me tolera.
Na esquina de uma estrada avisto uma silhueta igualmente perdida da vida.
- Olá – Disse sedento de falar com alguém. Já não suportava a minha voz em mim.
Seguiram-se momentos de silêncio, não sei quanto tempo fora mas parecia uma eternidade.
- Hoje não tenho onde ficar – Verbalizei de súbito.
- Bonito... Queres tomar um copo? Vem comigo. – Disse abrindo um sorriso forçado, tentando mostrar-se simpática.
Levou-me por meio da escuridão até um sítio pardacento, isolado onde havia uma carruagem abandonada, com manchas de zinco no topo a tentar tapar uns quantos buracos. Dentro do tugúrio havia um colchão podre e verde. As seringas estavam espalhadas por todo lado. Pegou numa botelha, num fósforo e repentinamente fomos inundados por uma luz dançante.
- É aqui…
- É a minha mansão, onde levo a minha vida.
- Dormes cá?
- Não tenho mais lugar nenhum. É um bom sítio. Aqui só estou eu e a lua.
- Posso ficar cá?
- Nem penses.
- Vá lá, deixa-me ficar, só hoje.
- Já disse que não!
- Porquê? Tens um colchão e tudo. Não deve ser a primeira vez…
- Porra que és estúpido! Porque preciso de dormir e só há uma cama. Para "brincar" uma cama chega, para dormir já é outra conversa!
Mas, hoje precisava de me esconder do mundo. Sentei-me também no colchão. Como pode ela viver aqui? É um lugar pequeno, sufocante, tão escuro. Ergui os dedos e apalpei a madeira que protegia a porta. Feri-me com alguns pregos arrebitados. Gritei, mas ninguém me ouviu.
Penso que grito baixo demais. Julgo que já tenho os meus dez dedos a sangrar. Coloco-os um a um na boca, chupo aquele doce acre vermelho. Afinal apenas o indicador da mão esquerda pungia.
Sinto muita dor nas costas, pois o tecto é baixo demais. Fico assim, encolhido, os meus joelhos quase que tocavam o queixo. Aliás, se bocejo os meus dentes vão arranhar os joelhos, e sei que também eles estão a sangrar.
Não me consigo virar, nem para esquerda, nem para direita, nem para trás. Mas escuto muitas vozes no lado de fora.
A vida caminha normalmente. Gritos, cães que ladram, a voz de Marlyn Mason tão perto que consigo visualizar as suas unhas negras arranhando-me a cara.
Uma velha televisão pisca ondas de luz coloridas que me fere os olhos. Mas ela disse-me que a primeira coisa que fazia era dar ao botão. Quando os clientes somem, ali fica o dia inteiro até o final da tarde, sentada ou deitada no colchão verde, tendo como companhia apenas e só as pulgas. Mas confidenciou-me que paralisava pela magnitude das catorze polegadas, onde cabe o sucesso, brilho, beleza, guerras fenomenais, amores arrebatadores e performances de delitos do mundo inteiro. Era hora do jornal nacional e depois a esperança da heroína da novela. Parece que está emocionada, pois ouço, “Jesus do céu!” Olho de lado para o sorriso do presidente da república. Mas não posso nesta minha posição desconfortável expressar merda nenhuma. No momento estou ocupado, e não posso fazer grandes coisas pelo meu país. Quem sabe nas próximas eleições? Assisto, somente. Queria só sair dali. Afinal de contas, a vida continua. De repente apercebi-me de quanto era absurdo, tudo aquilo que estava a fazer.
Andei todo o dia à deriva pelos recantos da cidade, sem saber como agir. Estou sem cabeça para pensar em soluções, e portanto vagueio, sem sentido pelos recantos do meu cérebro em busca de uma solução.
Não podia ser descoberto, essa era a prioridade das minhas preocupações. Durante muito tempo abria-me para os outros, sem constrangimentos, até que aprendi que o homem calado tem muito mais a ganhar.


Texto: In "A filha que nunca tive" (Não editado)


Imagem: Google

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