Performancing Metrics

BLOGGER TEMPLATES AND TWITTER BACKGROUNDS »

segunda-feira, 29 de junho de 2009

TU e EU


Naquele dia acordei um pouco melancólico. Diria mesmo... triste! Se me perguntassem as razões dessa melancolia. Eu mesmo não saberia responder.
Depois do duche e do habitual pequeno-almoço (sumo de laranja natural, cereais integrais com leite e café sem açúcar) meti-me no carro e conduzi sem rumo.
Quando dei por mim estava na orla da cidade. O sol e a cor da areia contrastavam com a vegetação.
O mar estava fantástico, calmíssimo! Resolvi parar o carro. Saí, caminhei um pouco pela areia, acabando por me deitar. Cogitando nos meus pensamentos e envolvido naquela calmaria da maresia, deixei-me adormecer...
"Lembro-me da sensação incomodativa de pequenas gotículas de suor na minha testa e no meu corpo. Olhei ao meu redor. Não se via vivalma. A praia estava completamente deserta!”
Resolvi dar azo a um desejo meu e despi-me, mergulhando no oceano.
“Afinal que perigo poderia advir? Não estava eu só naquela praia?”
O choque frio das ondas envolvia o meu corpo como um banho revigorante.
Nadei um pouco. Que sensação agradável! De repente, sentia-me de novo no ventre materno. Eu, tal como vim ao mundo, aquele mar infindável e Deus.
Ao fim de algum tempo, já cansado, nadei em direcção à praia.
Deitado de barriga para baixo, sentia a rebentação das ondas no meu corpo! Que sensação incrível.
Eis senão, quando, olhando em direcção às minhas roupas, ali estavas tu, com um sorriso malandro nos lábios.
Um pouco desconcertado, escondi com as mãos a parte mais íntima do meu corpo perguntando-te com um calor no corpo molhado...
- Mas, e agora?
Respondeste com um sorriso nos lábios, um misto de simpatia, carinho e ironia:
- Calma! Deixa-te ir, relaxa...
Fiquei sem saber o que dizer, um pouco constrangido com a minha nudez, porque isso dos homens não sentirem pudor com a nudez, não passa quanto a mim, de um mito.
Quase de seguida (para mim esse espaço de tempo pareceu uma eternidade), levantaste-te sempre sem tirar os olhos de meu corpo e começaste a despir-te.
Eu não parava de tremer e, o teu corpo, também já ele nu, deixava-me perdido de emoções.
Completamente despida de preconceitos, mergulhaste no oceano deixando-me só, deitado na areia.
Parecias uma sereia dos mares. Quanta beleza, e sensualidade.
Depois de algumas braçadas nadaste na minha direcção. Colocaste os braços em torno do meu pescoço e beijaste-me... sôfrega.
Correspondi ao teu beijo, entregando-me. Senti tua língua, preguiçosamente explorando a minha boca. Beijo ardente, beijo carente, beijo de entrega total. Beijo, carinho, ternura... SEDUÇÃO!
Enquanto me beijavas, as minhas mãos iam percorrendo o teu corpo. De repente, ergui-te no meu colo e, como se de uma peça de porcelana se tratasse, transportei-te para a areia com todo o carinho.
Deitei-te, com suavidade, com imensa sensualidade, como que a preparar aquela que muito rapidamente se tornaria minha mulher.
Sorvendo com a tua boca, todas as gotículas de água salgada que "vestiam" o meu corpo, iniciaste um ritual de desejo e loucura. Primeiro no pescoço, descendo pelos ombros e, finalmente... quanta paixão!
Acordei. Minha boca com o teu sabor... com o sabor do mar.
Sinto-me molhado... meu corpo húmido e o desejo de te ter!
Como te quero! Vem, meu Amor. Amemo-nos em uníssono. Ensina-me a amar como nunca me amaram.
Dois corpos num só, vibrantes de desejo até ao êxtase. Quero-te. Mas penso que te perdi.



In "Ano Louco"


Imagem:Google

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Num sonho de realidade



Ontem, ou hoje? Lisboa estava insuportável. A canícula era imensa e eu mal conseguia respirar.
Olhei curioso para um placard, que me respondia em néon de tom amarelado, “19:28”; “32º”.
Apenas queria chegar ao lar. Mas, não sabia para onde me dirigir. Que casa? Onde moro? Eventualmente habito apenas no mundo, e moro o teu coração! Caminhava absorto de corpo e alma… andava apenas entre caras sisudas e crespadas que nada me diziam. Por vezes quase que comigo colidiam, no entanto eu desviava maquinalmente o meu percurso.
Vaguei por aqui e por ali sem sequer me sentir, mas a viagem tem mais sabor quando cada cruzamento é uma incógnita.
A minha mente apenas me devolvia uma mácula de mulher, uma silhueta de ti. E no teu contorno me perdi…
Quase onze e meia da noite e lá em cima da noite, a lua parece pendurada numa rede atada a coqueiros do espaço, uma alcalada onde me escondo e me deixo embalar, contigo ao lado, no meio das estrelas que sorriem quando passam por nós.
Procurei bem no fundo da pasta inerte e suspensa no meu ombro esquerdo, a chave do teu coração que me tinhas dado no primeiro dia que me viste.
Afinal nem foi necessária, pois tinhas a portada semiaberta. Entrei, estavas de costas e envolvi-te com os meus braços, daquela forma que tanto gostas, apertando-te contra o meu corpo enquanto as minhas mãos construídas por um tapume de cristais de gelo te aconchegam o ventre e te provocavam arrepios.
“Chegaste e eu nem dei por ti…”- disseste enquanto eu penetrava os meus dedos em pequenos fios de cabelo, como vírgulas, alojadas sobre a testa e junto às orelhas, que te transmitem aquele peculiar encanto que revivo sempre que te olhos te vêm.
O ambiente estava calmo. O silêncio dos nossos lábios contrastava com o pujante ruído dos nossos olhos.
Ao longe, a voz rouca e triste de Leonard Cohen enlaçava-nos com a derradeira estrofe - “Your eyes are soft with sorrow/Hey, that's no way to say goodbye.”
Teus lábios entreabriram-se e deixas-te escapar um sorriso. Eu fiquei em hipnosia, e montei o teu airoso sorriso de forma a chegar ainda mais perto de ti.
Quando as minhas mãos se deixam levar pelo desejo de conhecer a tua pele doce debaixo do teu vestido não te quero assaltar, não te quero levar nada, porque meu amor, tu já me roubaste o meu coração há muito tempo. Por isso não te amedrontes. Apenas quero conhecer um pouco mais de ti. Quero apenas que sejas um bocadinho mais minha. Sempre mais e mais… E de todas as vezes que te abraço com força, de todas as vezes que deixo a minha boca escorregar para o teu gracioso pescoço e de todas as vezes que esta destra mão investiga a perfeição do teu ventre, eu só te quero a ti. Nada mais. Apenas terminar a nossa noite e explorar a perfeição do corpo e a ânsia que nos une e consome o corpo e o espírito.
E, tu sabes que o que arde em nós é impossível de encobrir, a lembrança de cada dobra do teu corpo consome-me, agora é tarde, é impossível evitar este desejo imenso que me ofusca a luz do dia e me suspende o sono.
A reminiscência do sabor dos lábios é forte demais para que consiga atirar para trás da porta do teu coração a vontade de te consumir inteira na minha vida.
Quero apenas que te deixes antojar o que não existe, e simplesmente te deixes levar, pela música, pela noite e por este alquimista de sonhos feitos.
E no cantinho da nossa imaginação, enquanto te atenuo do peso exagerado da roupa que te cobre, a tua sedosa e perfumada pele olha para mim despreocupada mas ardente de desejo na alcofa do teu interior. Eu fico contigo despido de roupagem, de preconceitos, e de alguém que quer ser alvo de alomorfia.
No cantinho do nosso sentir, enquanto te deixo completamente aguada de beijos, o tempo e o espaço correm sem fim avassalando o nosso amor, tal como corroem a noite que está quase a cair. A noite pode ser muita coisa, pode ser um castigo ou pode ser um bálsamo, e já foi tudo isso no nosso universo. Tanta incerteza que viver é ambiguidade.
E na incerteza nocturna eu afastei-me das luzes e corri despido de roupa pelas ruas de ardósia dura, corri a noite toda às voltas tentando evitar o caminhos dos meus receios, ambiguidades e dúvidas.
E num sonho de realidade, eu tenho medo de morrer.


Texto: JC


Imagem: Google

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Amor!


Amor!
Verbo sem tempos que vive do rorejar do coração e só sabe a quem sabe saborear do deleite, sentir o paladar de todos os sentidos misturados na descoberta do sensual, do perfume, do ofegante poder de beber e respirar outro ser.
Amar é como apreciar uma flor carregada de magia, de perfeição, odor e prazer. É deixarmo-nos entrelaçar pelas folhas verdes da esperança.
Amor! Possuidor de uma voz que não fala e um olhar que pela voz tudo diz. Tem uma neblina matinal para nos abraçar no nosso espaço. No nosso lugar. E do saber amar ficamos somente nós.
O fim da tarde estava frio. As pernas tremiam de agitação e palpitavam como o meu amargurado coração.
O vento gélido esbofeteava-me o rosto e invadia-me os olhos fazendo-os chorar. Por entre lágrimas de gelo acalentei o coração ingénito de sofrimento quando te vi.
Respirei fundo engasgando-me com o sopro do vento que solto corria e uivava como um lobo liberto ao luar.
O aroma do café que tomei com sofreguidão despertou-me do sonho. Olhei-te com a ternura que compus a melodia da alma.
Sorriste para mim, como só tu o fazes. O rubor cercou-me face e o alento.
Um baque inaudível retumbou no meu cérebro. O teu pé foi testemunha do embaraço de quem desperta de uma ilusão.
Aos poucos o teu ser prosperou, sorriu, venceu e em meu peito assentou como um beija-flor que pousa numa flor em busca do voluptuoso e inefável néctar.
O teu sorriso acaricia o coração, o teu olhar é penetrante e faz-me tremer. O teu beijo petrifica-me o corpo dormente de paixão e recheado de desejo.
Consegues perturbar a minha noite, no bom sentido, manter-me acordado a pensar e a sonhar… adormeço sempre um pouco mais feliz. Desejos reprimidos são como flechas envenenadas, que nos matam ou exploram estigmas esquecidos e despoletam outros perdidos.
A frustração por vezes cerca-me e mesmo sem permissão, invade-me o coração.
Quantas vezes, eu estou só no meio da multidão!
Pois! Já era para ter terminado, mas… que queres é a escrever que me dou, me entrego de corpo e alma. Quando escrevo desnudo-me perante mim, perante ti…
Muita coisa fica por dizer, mas oportunidades não irão faltar.
Quero também pedir desculpa por ser um pouco lunático. Por vezes a minha mente vagueia entre o sol e a o lado escuro da lua.

Apesar de tudo, Amo-te!

Sabias?

JC


Imagem: Google

Pink Floyd - Mudmen (de La Vallée)

domingo, 21 de junho de 2009

Retalhos


Toda a nossa vida não passa de retalhos que ficam na nossa memória. Este é mais um pedaço que guardo no meu coração.
Duas linhas. Duas linhas que se estendem ao longo de muitos quilómetros.
Paralelas, produzidas em aço, nunca se encontram. Mas, todas elas têm um fim.
A tantos quilómetros temos de um lado, um vasto campo de oliveiras, do outro um pequeno ribeiro cruzado por uma velha ponte de madeira que nos leva a uma casa abandonada, como muitas que existem por todo o Ribatejo.

Faltam dois minutos para as três e naquele como nos outros dias, à hora certa o comboio atravessará a vila.
A minha tia olha clandestinamente para um e outro lado. Prepara-se para atravessar as duas linhas de aço. À sua frente, erecto junto ao banco da estação, encontra Avelino.
Tem os olhos rasados por lágrimas pequeninas e o rosto está vermelho rubro. O seu peito esgotado bombeia golfadas de sangue pelas suas veias. Sempre é verdade que a mulher tal como dizem, é uma infame adúltera.

“- Uma puta é o que ela é.”

Em breve esta atravessará a ponte de madeira que cruza o ribeiro para materializar a acusação.
O episódio já sobejamente contado e nunca documentado, agora corroborado pelos seus enraivecidos olhos azulados.
M. Do Carmo vê o marido do outro lado da linha e todos os seus olhos de maresia são Avelino. Percebe que ele já percebeu.
Que na sua perturbada mente, já sabe que aquilo que a mulher se prepara para fazer contraria o que lhe imprimiram, na sua educação.
Sabe que o acto que a mulher está prestes a cometer determinará o fim da já por si débil saúde. A mulher mantém-se de um lado, o marido do outro.
Olham-se. Olhos nos olhos como no primeiro encontro em que se conheceram.
Ela acena, ele olha apenas, estarrecido. Ela contínua, inclinando ligeiramente a cabeça para a esquerda, pedindo compreensão, mas a esse pedido Avelino responde com um rosto apático e distante.
O seu olhar invoca o frio dos serões sem lareira, passados na pequena casa. A mulher busca naquela distância que os separa o tempo suficiente para pedir a Avelino...
Por favor, não penses assim de mim. Naquela espera, a mulher busca o carinho do marido que perdeu há muito.
Pensa quando este chorava de noite e apenas repousava debaixo dos lençóis da cama que partilhava com ela...

●●●

É também outro menino, o menino feito homem, aquele que mira Natacha disposta em posição fetal sobre as portas metálicas de um frigorífico, transformado em cama de operações, sustentado por dois cavaletes de madeira; é outro menino o menino feito homem, aquele que recorda o rosto de sua tia quando ela o pegava ao colo e o acarinhava contra o seu peito.
Eu amava a minha tia. Era a minha predilecta. Hoje nada posso fazer.
Marcou-me de tal forma que ainda hoje e passados já alguns anos, sinto remorsos por a não ter apoiado.
Natacha foi-me trazida por um tal Eduardo ontem à noite. Eduardo é advogado de um sem número de refugiados de leste que acorrem ao país. É mais uma. Eduardo está apaixonado por ela. Consigo ler o amor dos dois nos olhos mortiços de Natacha.
Os olhos dela são os olhos de minha tia. Os mesmos olhos que me olharam, certo dia, uma última vez. Os olhos que por si choraram, os mesmos que ele fitou uma última vez antes da locomotiva a colherem.
Os olhos que ele olhou uma última vez, quando já o comboio travara e o corpo esfacelado, se separara em tantos bocados quantos os que os braços conseguiam abarcar. Eu, sozinho agarrando em cada membro de minha tia e o corpo de Natacha ali corrompido: frágil e precário cortado pela zona dos rins.
São sem duvida corpos diferentes em vidas distantes, mas os olhos são os mesmos de outrora.
Um violino passou pelo consultório e deixou uma música tão deprimente quanto insuportável no espaço.
Começo a chorar. É novamente o menino João, aquele que se deixa abraçar pelo corpo morto da sua querida tia M. Do Carmo.
Bem-Haja tia e que Deus te tenha atribuído um pedacinho de Céu...



* Texto baseado em factos reais


In "Ano Louco"
Imagem: Google


JC

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Juventude



Tinha feito quinze anos há cerca de um mês. Era já um rapazote. Penso mesmo que possuía já uma certa consciência política.
Dedicava-me, num país por tradição extremamente sufocante, a actividades consideradas subversivas para a época, convencido que partilhando a simples verdade do mundo tudo ia mudar para o melhor dos mundos.
Conheci o medo e a coragem. Pessoas nobres e que de repente desapareceram.
Frequentava o LNA. Aquele dia permaneceu para sempre na minha memória.
Levantei-me cedo como costume. Tinha o horário da manhã. Saí de casa ainda meio atordoado pelo sono. A noite anterior tinha sido longa. O Faustino tinha ido lá a casa, para me ensinar mais algumas notas de viola.
No trajecto, passei pelo café do Sr. António que me disse:
- Vais para o Liceu?
- Vou. Entro às oito e meia! Respondi com ar curioso.
- Vai mas é p’ra casa… disse-me ele com a testa cheia de gotículas de suor.
- Houve uma revolução e não há aulas, está tudo fechado.
Ainda ele não tinha finalizado a frase e já se ouvia o roncar dos motores dos aviões que cruzavam o céu a baixa altitude, como pássaros em busca da sua presa. Estremeci. Com o ruído e com a emoção.
“Será verdade”, pensei eu sentindo aquele tremor nas pernas que sentimos quando algo nos sucede extremamente bom ou extremamente mau.
Segui o meu caminho, após agradecer a preocupação do Sr. António, mas tinha de ir observar de facto o que se estava a passar.
Cheguei ao LNA. Deserto. Os portões fechados. Nem vivalma. Algo de grave se passa e o Sr. António tem razão.
Mais uma vez os aviões da Força Aérea passam por cima da minha cabeça de tal forma que senti a deslocação do ar. Os meus tímpanos queixaram-se.
Sem saber de onde aparece o Marques também junto do LNA.
- Jota! Já sabes dos acontecimentos? Perguntou-me o Marques, com o seu ar de intelectual forçado.
- Ouvi comentar! Disse com ar impaciente e algo intranquilo.
- Claro. Está tudo cheio de tropas! Continuou o Marques tentando predominar a conversa e chamando a atenção de meia dúzia de curiosos que entretanto se tinham juntado.
- Em Lisboa é que está quente a situação! Prosseguiu o Marques, conseguindo o que pretendia. Ser o âmago das atenções e mostrar a sua cultura de mente aberta e cultivada por um pai que na clandestinidade pertencia ao Partido Comunista.
Eu e os curiosos seguíamos com atenção todas as sílabas salientadas pelo Marques.
- O centro das operações é no Carmo. Os gajos têm tudo cercado. O Caetano está lá, mas não tem hipótese.
Tanto eu como os curiosos ouvíamos com todo a concentração a sapiência do Marques sobre os acontecimentos.
“Sou um principiante nestas coisas, pensei eu comigo próprio. Sentindo uma admiração pelo meu amigo que estava por dentro de todos os acontecimentos.
- Jota! Vamos a Lisboa? Ao Carmo? Interrogou o Marques, empurrando os óculos contra o nariz, o que lhe acentuava ainda mais aquele ar de sabichão.
- Embora. Respondi eu de imediato. Curioso, mas apreensivo.
Corremos para a estação e apanhamos o comboio, praticamente vazio para a hora. Até chegarmos à estação, só se observavam grupos de pessoas cochichando de forma imperceptível, tal era o medo acumulado durante décadas.
Mais uma vez e outra os aviões a romperem o céu, arrancando arrepios a quem os observava. Finalmente chegámos ao Rossio. Um mar de gente. Uns riam, outros cantavam e outros ainda choravam. De alegria. Diziam os que eram surpreendidos com as lágrimas nos olhos.
Subimos ao Carmo, rompendo pelo meio da multidão que gritava a plenos pulmões «LIBERDADE».
Nunca tinha visto tantos chaimites. As tropas, essas faziam com os dedos esticados, o “V” de vitória.
Nos canos das G3 sobressaíam cravos vermelhos espetados.
Na lapela da maioria dos presentes, um cravo vermelho predominava nas indumentárias na sua grande maioria de cor escura.
De súbito deixei de ver o Marques. Rodei a cabeça em todas as direcções, tentando em vão avistar onde ele poderia estar. Encontrões, pisadelas, mas principalmente muitos sorrisos e alegria.
Surgindo do nada, vejo o Marques com um riso de orelha a orelha e com dois cravos vermelhos na mão.
Deu-me um dos cravos que coloquei no bolso da camisa de modo a ser bem visível.
O Marques por seu lado colocou o cravo dele na orelha. Aproximou-se de mim e disse:
- Dá cá um abraço bem apertado!
Pegamos nos nossos cravos e com um braço no ar segurando firmemente cada um o seu, o mais alto que conseguia. Assim, demos o abraço da fraternidade.
No meio da multidão, dois jovens estavam ali abraçados com um cravo vermelho erguido, celebrando a Revolução dos cravos.
Estávamos no ano de 1974. O dia era; 25 de Abril. Nós nunca mais fomos os mesmos. Portugal também não.


In "Ano Louco"


JC

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Joana e o pastor


Xico Varilhas, pegureiro de cabras e afins, sempre que encontrava uma rapariga da aldeia perseguia-a de uma forma persistente.
Um rabo de saia conseguia atordoar de tal forma o rapaz, que o número de cabras diminuía na proporção inversa das moçoilas que seguia.
Certo dia seguiu uma jovem que dava pelo nome de Joana.
Seria uma visão? Uma alucinação? Ou seria uma punição que lhe fora dado por Deus eventualmente por delitos cometidos numa outra vida e dos quais não se recordava?
Que linda menina vi hoje cabelos em espigas negras pendendo sobre o pescoço de gazela.
Linda menina, de pernas bem torneadas. Um vestido de seda deixava adivinhar os pequenos seios sobressaltados de embaraço como querendo rebentar os botões do decote.
Fosse como fosse, uma coisa era certa, ela estava ali, parecia real e ele não conseguia disfarçar e nervoso quando ela passava e lhe lançava os olhos verdes de esperança. Era como Febe a deusa da lua.
Apesar da insistência do pastor, a moça não cedia aos piropos do rapaz.
Um dia a caminho da ribeira onde ia lavar a roupa, ele surpreendeu-a com a sua voz aprazível num simples… olá.
A rapariga rubra de vergonha baixou os olhos e disse-lhe:
- Só te aceito como noivo se me prometeres casamento diante de duas testemunhas.
- Que testemunhas são essas?
A rapariga chegou-se de mansinho mais perto do seu ouvido e segredou-lhe o nome das testemunhas.
O rapaz riu-se, e prometeu que jurava diante delas porque para além de simples sabia onde as encontrar, pois como Joana lhe dissera, bastava-lhe que as testemunhas fossem duas cobras.
Ambos se deslocaram ao poço da Devesa, sítio, onde ele sabia existirem cobras.
Xico, num ritual breve mas circunspecto ajoelhou-se e fez a sua jura diante das duas testemunhas.
Algum tempo decorreu e a paixão de Joana e Xico crescia como que regada diariamente com água sagrada.
Certo dia, Xico deslocou-se ao centro da aldeia, para comprar uns tamancos novos e botar uma carta nos correios para a tia Genoveva, solteirona por convicção, que tinha ido servido para casa de um médico de Monforte.
Após ter saído dos correios, a garganta pedia-lhe algo fresco de modo a enfrentar a meia dúzia de quilómetros até ao pastoril.
Entrou, tirou a boina que o protegia do sol de Setembro e pediu um Sumol de laranja fresco.
O Ti Zé perguntou-lhe como ia a vidinha, ao qual respondeu afirmativamente sem suspender os tragos de sumo que o refrescavam.
Quando se preparava para sair quase chocou com Clotilde, a filha mais nova do farmacêutico.
Xico ficou estático, como pregado ao chão. Imóvel, apenas sentia o bater do coração. Um arfar que lhe tolhia o discernimento.
Claro está que o jovem pastor passou a calcar os trilhos que o levavam à cidade três a quatro vezes por semana.
Os cabelos trigueiros e o sorriso maroto de Clotilde rapidamente fizeram sombra aos predicados de Joana.
Alguns meses passaram e cada vez mais Clotilde atraía o coração do solitário pastor.
Embora o farmacêutico tivesse outros planos para a novata, ela com o seu sorriso e falinhas mansas consegui a concordância do pai para namoriscar o cabreiro.
O namorico foi de tal forma intenso e convincente que o casório ficou marcado para Abril.
Joana, rejeitada, apenas chorava.
Abril chegou. Abril, águas mil, e assim foi, numa tarde chuvosa, Xico esperava à porta da Igreja de Nossa Senhora do Carmo impacientemente por Clotilde sua noiva. Com tanta exaltação, nunca mais se recordou de Joana e menos ainda da promessa consumada. Um relâmpago mais forte seguido de um grande estrondo fez tremer Xico e convivas que aguardavam recolhidos a chegada da noiva à casa do Senhor.
Outro relâmpago fez vislumbrar ao longe a carripana que transportava a noiva e seu pai.
O pastor transpirava dentro de um fato preto riscado de cinzento e sentia-se sufocar com o aperto do laço que lhe segurava o colarinho da camisa branca.
Com quase uma hora de atraso, porque o tempo não tinha ajudado, a cerimónia teve início com a habitual marcha nupcial.
O senhor Anacleto seguia de braço dado com a filha com a cabeça muito hirta e estática dando a sensação de que ia muito concentrado, ou então, envergonhado com o desfecho que não conseguira travar.
O Padre Simão, começou a homilia, referindo a fidelidade que deveria estar presente num casamento de índole religioso.
O coro de beatas ouvia-se murmurar algo imperceptível, percebendo-se apenas “Ele está no meio de nós…”
Fora do templo, a chuva caía copiosamente, batendo de tal forma forte no abato tecto da igreja que dificultava a audição do sermão do padre.
Quando o sacerdote perguntou se havia alguém que se opunha àquele casamento, que falasse ou se calasse para sempre, um relâmpago iluminou a igreja de tal forma que colocou as beatas em reza e bênção incessante.
Simultaneamente uma voz tímida e fresca fez-se escutar. A amante desprezada saiu-lhe com impedimentos na igreja, afirmando que tinha duas testemunhas que viriam jurar que o rapaz lhe prometera casamento a ela.
Xico sorriu e replicou que chamasse as testemunhas, na certeza de que só jurara diante de duas simples cobras. A rapariga então chama:
Vinde, cobras minhas testemunhas…
A chuva vos manda vir, a Lua vos irá fazer falar, para me valerdes neste lugar.
As cobras entraram pela igreja dentro; cada uma delas vai enroscar-se nas pernas do perjuro e só o largam, quando ele se prontifica perante toda a comunidade presente a casar com Joana, deixando a noiva só no altar atónita com o que tinha presenciado.
Um a um os convidados abandonam a casa de Deus em sepulcral silêncio e com o semblante carregado.
Em segundos toda a gente se recolheu. No átrio da igreja, apenas o pastor e Joana permaneciam em transe olhando-se nos olhos, como dominados por algo que ainda tentavam compreender.
Então o jovem tentou sacudir do rosto da rapariga as fortes gotas de chuva que tombavam do céu como lágrimas constantes com a manga ensopada do seu casaco e num gesto místico beijou-lhe os lábios de forma suave. Segurou-lhe a mão e ao seu ouvido disse-lhe:
- Perdoas-me Joana?
A rapariga respondeu-lhe no momento em que outra testemunha abafou a sua voz com um estrondo metálico seguido de um lampo intenso que cortou o céu em mil pedaços.
De seguida, a chuva parou. Joana e Xico, abandonaram o átrio da igreja da mãos dadas e nunca mais foram vistos.



Adaptação de uma lenda tradicional
JC

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Modo de amar



Gosto de amar de olhos cerrados, porque alguém me disse um dia que o amor é cego e que os olhos nada vêem, que ficam como as cinzas extintas de uma velho vulcão.



Gosto de amar ao sol, porque o amor é fogo que arde, e nas sombras das vielas esquecidas, os amantes morrem de frio brando, de coração gélido, de alma glacial.



Gosto de amar no campo trigueiro, porque o amor é uma como uma semente de girassol, onde poisam delicadas borboletas, de sedosas asas brancas, num discreto lírio cor de marfim.



Gosto de amar ao sabor das gotículas frias de chuva torrencial, porque o amor me ensopa de um desejo diluviano.



Gosto de amar desvairadamente, perdidamente, porque o amor é louco e insano... como eu, com tu.

Gosto!




JC

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Ano Louco


Sinopse:



Tendo como porto de partida a frase: "todos devíamos viver as diversas fases da vida no tempo certo", e reconhecendo a sua lacuna vital, iniciou uma alucinante viagem pelos meandros do erotismo e sensualidade. Abordando o dia-a-dia, a construção de sonhos, o viver em alguns casos sobre o fio da navalha, em que o acto de amor inconsequente serve apenas para libertação de fluidos, recomeçando no dia seguinte de novo, a procura incessante de novas e libertinas aventuras. A descoberta diária do ser humano. O aflorar ao íntimo de cada um. As oportunidades perdidas enquanto o tempo passa e nada fazemos de diferente, reclamando, mas continuando “orgulhosamente sós”. A VIDA é uma teia muito complexa composta por enxertos, tantas vezes tão dispersa, como as páginas deste “Ano Louco”.



Editado em 6/12/2006 (Edição EC)




http://www.wook.pt/ficha/ano-louco/a/id/189263

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Desespero do só


Quando não te vejo chegar oiço vozes inaudíveis que apelam às minhas incertezas.

Sou invadido pelo desespero do só.

O coração emudece de triste, a alma rasga-se de saudade.

E eu balanço sem rumo, como uma embarcação perdida na agitação das ondas do mar revolto, preso nas garras de uma tempestade.

Mas, quando me apertas nos teus braços, penetro no teu corpo e solto a sombra que há em mim, quando te beijo sinto a seiva do meu corpo percorrer as raízes do prazer.

Quando me enrosco no teu colo, encerro-me no ventre materno da esperança.

Escrito numa quarta-feira de solidão


JC