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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Hoje sinto-me… como ontem…


Hoje sinto-me… como ontem.
Sinto-me uma barca sem remos que deriva nas águas ansiosas sem poder mudar a rota.
Um soçobro disposto a permitir que os seus alvéolos se inundem de água para que o fim chegue mais célere.
Um inço que abusivamente cresceu no quintal do teu contentamento.
A vida começa a pesar, o caminho agreste aproxima-se da meta há muito delineada.

Hoje sinto-me… como ontem.
Hoje sou um homem triste, ontem fui alguém melancólico.
Sei que deixo nas ladeiras que galgo os meus passos trémulos e vagarosos da senescência.
A soledade penetra o meu corpo como agulhas, que me rompem a pele gretada pelos anos.
As minhas mãos afáveis, já só encontram a futilidade…

Hoje sinto-me… como ontem.
No meu cérebro existe uma réstia de recordações que me fazem viver. Espreguiço o meu olhar em memórias envelhecidas. Recordo-me de ti.
São tantos os objectos que me assaltam a lembrança de tempos tão longínquos; são tantas as películas que me fazem sorrir ao sentar-me naquela época em que a felicidade era mesmo feliz e não amargurava.
O tempo tinha outro sabor. Os dias ditosos pareciam não ter fim, os menos bons, eram poucos, e nem tinham, o tempo que o tempo tem, para nos perturbar.

Hoje sinto-me… como ontem.
E hoje como ontem relembro a primeira vez que te vi. O primeiro dia que te amei, a primeira noite em que te plantei no jardim do meu coração, no íntimo da minha existência.
Encosto o meu sorriso à tua recordação e deixo-o escorrer por todo o teu corpo, numa viagem pelo ontem.
Quero olhar o ontem com os olhos de hoje cegos de brilho até os sentir lacrimejar num murmúrio silencioso.
Ir mais longe num voo trémulo de um pardalinho garamufo até aterrar na génese do meu ser.

Hoje sinto-me… como ontem.
Pesa-me nos ombros o xaile árduo de mágoas e penso em ti, em nós, no que fomos ontem e o que somos hoje, e a minha alma demente chora de saudade! O que é feito de nós? Já não suporto as ínsulas que habito, os rios de gelo que me correm nas veias, que me afogam em nostalgias perversas.
E viciosa é a indiferença que habita em nós. É uma azagaia maldita, que nos atinge a alma e nos fere gravemente tornando-nos alvo de um flagício sem testemunhas, porque apenas o som do silêncio nos grita que estamos vivos.

Hoje sinto-me… como ontem.
Mas hoje quero abeirar-me de mim para perceber porque tenho medo do mundo que me rodeia. Tenho pavor da vida, desta viagem conturbada e perigosa. E nesse percurso ensaiamos, alegria, tristeza, prazer e dor.
O tempo é tão veloz que chega a aterrorizar, e corremos como loucos com medo, que o tempo, não nos dê tempo, para vivermos o nosso tempo.

Hoje sinto-me… como ontem.
Porque ontem deitava-me no alcatrão quente da estrada da juventude até largar pedaços de pele das costas que formaram cicatrizes que me incomodam hoje.
Hoje quero sujar as mãos de terra com o mesmo regozijo que ontem a rasgava fazendo covas com as unhas de menino travesso para jogar ao berlinde.
Hoje, quero embriagar-me com o teu odor mélico, e perseguir-te tal zangão que ontem te torneava o corpo delicado de menina frangível.

Hoje sinto-me… como ontem.
Hoje sinto uma vontade louca de galgar o muro que nos separa. O muro que ontem não existia, o que me possibilitava ver os teus olhos, repletos de vida, ouvir o teu sibilante sorriso que brotava dos teus lábios com água brava de uma cascata.
Todavia o muro existe e como separa países, também separa paixões. Esse muro com o tempo foi se tornando mais pedregoso. Foi ganhando um emaranhado de rudes silvas e enegreceu com os invernos ferozes que vivemos.

Hoje sinto-me… como ontem.
O meu medo ressuscitou.
Passei a sentir a viagem no tempo como montando um comboio fantasma. Em cada curva, uma teia me esvoaça pelo rosto, em cada esquina, um espectro me assusta.
Ontem, como hoje não sou noite, nem sou dia, não sou luz, nem sombra; sou tudo e sou nada, sou todos e sou ninguém, sou terra e sou mar, sou tragédia e sou comédia, sou amor e sou ódio, sou palavra e silêncio.
Quero ser verso, mas sou prosa, quero ser razão, mas sou emoção, quero ser poeta mas sou o avesso do trovador.
Gostava de ser teu adorno e não passo de um empecilho que não te enfeita.
Sou simplesmente alguém que sonha, dorme e acorda, no intervalo da vida…

Hoje sinto-me… como ontem…
E o futuro será apenas amanhã.


3 comentários:

Penélope disse...

Às vezes todos nós sentimo-nos como ontem... e o futuro é apenas o momento seguinte.
Um abraço,amigo

MH disse...

Belo texto. Também sinto assim, vivo de memórias, segredos, recordações que vivem comigo desde o dia em que me descobri que quando amamos é assim que ficamos.

Parabéns pelo que escreves.

Beijo

Pedro Gonçalves disse...

Texto fantástico.. Aqui se subsumem integralmente os sentimentos que me vão na alma..
O futuro demora a chegar.. A verdade é o presente.. O presente é o passado, e esse magoa demais..

1 Abraço