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terça-feira, 15 de junho de 2010

Conto de verdade






No fundo, bem lá no fundo do nosso corpo, mora uma esquiva personagem a que damos o nome de alma.
Ainda não houve quem a visse, mas todos nós sabemos que existe.
Sentimo-la!
E quando alguém nos magoa, ela agita-se. E ouve-se o seu grito de desespero.
Há quem o ouça muitas vezes. Há quem o ouça raras vezes, e há quem nunca o ouça.
Por isso vale a pena entrarmos pela noite, quando o silêncio nos rodeia, e escutar a voz muda da alma que mora dentro de nós.
No fundo, lá bem no fundo do nosso corpo.
Um texto que escrevo é quase um auto-retrato da alma que me habita. Eu sei que a comparação é exagerada mas tal como a fotografia olhada mais tarde me permite recordar coisas para além das retratadas, dos meus textos retiro depois muito mais do que deixei expresso.
Na época em que vivemos e que tudo é mensurável, pelas leis da física, ainda ninguém se atreveu a avaliar a dimensão e o peso de uma alma. Nem a chamada física quântica se pendeu para essa cata.
Foi bem mais fácil a datação do Sudário de Turim, do que a dimensão da alma.
Vem este prelúdio a propósito de uma história passada há pouco tempo e que me foi contada em primeira mão pelo protagonista.

Estava um dia cinzento, empastelado, muito mais porque a janela que o trazia tinha os vidros sujos da poeira e humidade de uma manhã de fim de Dezembro que cria uma pasta fina e texturada. Às vezes parece que se detecta um leve brilho lá fora, como se uma nuvem se espreguiçasse, esticasse e adquirisse transparência. Acho que o sol ainda não desistiu completamente de brilhar, aguarda apenas que as nuvens encontrem o seu caminho.
Gotas orvalhadas brotam de um céu infértil de estrelas, como se fossem lamentos de milhões de bocas famintas das terras áridas e desérticas clamando justiça…
Vi o Fernando no passeio oposto. Acenei-lhe com o polegar indicando-lhe que iria ter com ele.
Alguns relâmpagos e trovões irrompem no vazio da manhã, vociferadas pelos Deuses do Olimpo cansados da imbecilidade humana, dona do seu próprio destino.
O rosto é um espelho do nosso estado, mesmo quando de tal não nos apercebemos. A falta de energia instala-se nas expressões, o ânimo pesado carrega os tecidos puxando-os para o chão.
Era a imagem do meu amigo Fernando naquela manhã de Dezembro de 2009.
O odor a pão torrado convidou-nos a entrar num café. Não foi complicado escolher mesa. O estabelecimento estava vazio de gente e de sentimentos. Apenas o odor a pão nos lembrava que estávamos vivos.
Do alto da torre da igreja o relógio badala as sete horas da manhã. 
Depois do escuro da noite a cidade revela-se, as luzes modelam outras formas, outras imagens, outros sonhos.
- Quero falar-te mas não aqui… Pediu-me o Fernando após ter engolido o café fumegante.
- Onde queiras! Anui com um esboço nos lábios.
Fernando atravessou o asfalto e escolheu uma parcela do areal deixada lisa pela maré e ainda não reclamada pelas gaivotas.
O sol, que apenas despontava sobre as casas, e a humidade da madrugada, que ainda se mantinha no ar, garantiam que aquele era território virgem de gente.
Ambos nos sentámos na fina areia ainda encharcada o que me provocou um arrepio de frio. O cheiro a sal invadia-me as narinas e aturdia-me a mente.
Repentinamente, o Fernando levanta-se, pontapeia uma duna, tão característica das praias da Costa da Caparica, e começa a escavar uma enorme fossa, como que procurasse alguma coisa.
- Fernando que procuras? Perguntei eu admirado com aquela estranha postura.
- O sentido da vida!
- Não sabes onde está?
- Não!
- Onde o perdeste?
- Nunca o tive…
- Mas pelo menos sabes como é?
- Também não!
- Então, porque procuras?
- Porque me disseram que existia…
- Tu sabes como é?
- Julgo que não… mas tenho ouvido dizer que se parece com uma estrada e quando a encontramos e a seguimos apercebemo-nos que ela sempre ali esteve.
- E porque não o consigo ver eu agora?
- Porque estás demasiado ocupado na sua busca.
Exausto senta-se de novo.
O mar corre à nossa frente como o tempo. Observo-o umas centenas de metros no passado e vejo-o diluir-se no futuro no momento em que a maré vasa.
De repente fui acordado pela voz convincente de Fernando.
- Há dias em que preciso parar para me reposicionar. Sei que o devia fazer todos os dias, como um ritual, mas o ritmo acelerado da vida foi transmutando esses tempos do ser em tempos do fazer, e eu só me apercebi da mudança depois de ela instalada e sedimentada.
- Entendo-te Fernando. Todos o devíamos fazer.
- Depois, acomodei-me nas justificações de urgências e necessidades imperiosas quando não o devia ter feito.
- Pois…
- Sabes que fomos pioneiros na abolição da pena de morte?
- Sim! Claro que sabia.
- Mas, ainda não conseguimos decretar a morte das nossas penas! Porque acerca de duas semanas, estive aqui bem perto com a mulher que me faria um dia feliz.
- E?
- Aconteceu amor, aquele amor puro, inocente e conivente. Amor como aquele que vemos em algumas películas e que nos fazem soltar uma lágrima, sabes?
- Sim… Sei!
- Foi um estranho amor porque terminou rápido. Uma forma estranha de amar, porque amamos e sentimos ciúmes. Amamos e sentimos medo. Medos, de um dia ficarmos sós. Amamos como loucos, e de repente caímos no lodaçal da incerta lucidez…
- Fernando, nada está perdido…
- Vou contar-te um segredo para que o divulgues. Temos a nossa casa, feita à nossa medida, acordamos juntos na mesma cama, como sempre sonhámos. O mundo anda lá por fora, com uma indiferença atroz.
Eu agora sirvo chás ao crepúsculo junto de um rio. Sirvo infusão a amores desencontrados. 
Todos eles chegam muito fatigados e com os olhos gastos pelas lágrimas derramadas. Antes de os servir olho-os à transparência da luz que vem quando o sol se despede de nós e a lua está prestes a chegar. É o momento ideal para conhecer as pessoas.
Escolho com cuidado o chá que combina com as suas almas doentes.
O meu chá preferido é o de rosas vermelhas, mas nem sempre é o mais indicado, é muito quente e inflama os corações de paixão e por vezes eles precisam de paz, nesses casos recomendo-lhes camomila ou cidreira que são um pouco mais relaxantes.
- E que mais lhes fazes?
- Queres saber se lhes leio a sina? Sim às vezes leio, mas com o aviso de que o destino não está nas linhas que as cruzam, mas sim nas próprias mãos. Leio-as como quem brinca com um jogo antigo, forjado na cinza dos séculos. É que eu sirvo chás ao crepúsculo. Apareces por lá?
Tão veloz como a pergunta, assim se dirigiu ao mar, mergulhando a sua dor nas águas frias e revoltas da Caparica.
Alguém gritou para que não fosse ao mar. Mas, Fernando já não ouviu…
O cansaço estava patente no meu pobre rosto quando finalmente consegui chegar à praia.
Um agente da polícia pediu-me para o acompanhar, enquanto me dava uma toalha para colocar nas costas e um pouco de água para refrescar a garganta ardente da salmoura.
Subimos os degraus até um quarto com uma pequena marquise com vista para o mar, que reconheci de imediato.
No centro da cama jazia inerte, uma áurea de luz.
- O senhor é culpável pela natividade desta luz. Não vale a pena negar. A peritagem não deixa margem para dúvidas.
- Mas eu estive neste local, faz seis meses…
- Pode fornecer-me o paradeiro da “mãe”?
- Não… não posso saber… afastou-se…
- Esta áurea tem mais de dois anos, e abandonada vai para seis meses. Não está morta porque é a génese do amor.
- Irá ser transportada para o “Hospital da Estrela” e talvez ainda possa sobreviver…


O despertador toca, libertando o som do silêncio que se encolhe no escuro. Ruidosamente, interrompe o áureo sonho e esfrega na cara mais uma manhã que nasce.
Levo algum tempo a colar-me à realidade. Mais um dia de tédio. Mais uma data de inexistência.
Ignoro o insistente despertador - o anjo de guarda - que continua a apitar de oito em oito minutos relembrando-me a que a natureza pariu mais um dia. Refugia-me em dupla escuridão, debaixo do edredão.
Gasto o tempo, os minutos, os segundos. Até não poder mais.
Tinha de me levantar. Puxei a roupa da cama e bem no meio, pareceu-me ver uma áurea de luz inerte à espera de mim e de ti.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Diamante louco



Hoje sinto-me um diamante louco que emana brilho por todos os poros do meu corpo.



Falso!



Sinto-me triste por não passar apenas de uma ametista lapidada pelo ângulo obtuso da vida.