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domingo, 10 de abril de 2011

Parto sem dor

Para alguém muito especial. Mãe fazes hoje 77 anos.
Sei que não me podes ler, mas não poderia deixar de o fazer.



Parabéns! Adoro-te




O grito do branco arrepiou-a
O feixe de luz beijava-lhe o ventre
A posição provocava-lhe náuseas
O silêncio foi arredondando, cheio de formas e cúmplices ocultos
O silêncio alastrou pelo grito do branco da tinta fresca
Afastou as fronteiras bem iluminadas
Sentiu dilatar, não o particular, mas todo o universo do seu corpo
Inocentou o tempo e a dor do momento
Abriu mais as pernas
O silêncio preencheu o remoinho de palavras que mal cabiam no espaço
Eram imensas, duradouras e lancinantes
Hoje, são incertezas ditas em tons de transparência
O silêncio vestiu-se de homem. É activo e transpira
O silêncio é faminto, invade os poros…
Exsuda como o mutismo de quem a estuda e lhe entalha os dedos como garras na sua paridade de mulher
O silêncio projecta-se no absorto da sala, na face dos homens sapientes
As palavras, os ditongos, as rimas foram comidas por esse tal do silêncio
Ele é covarde, franzino. Mal se sustenta nas pernas, mas é obstinado
O silêncio tem asas cortadas e recrimina
O silêncio partiu-se com o plange de quem germinou
A cicatrícula permanente do cordão umbilical, sem dor
Acordou finalmente ao cabo de duas horas com a boca pegajosa de sangue seco
Toda ela era hemorragia abundante
Nos últimos tempos toda ela tinha sido um sangramento
Transbordou a tudo
Líquido amniótico e sangue envolta num sebo, sem dor
Guardou de modo acurado sobre o ventre o mundo cruel inscrito no espelho da vida e tentou esconder a essência do nada
Despiu as vestes que a noite de estrelas lhe tinha colado à pele e ficou nua, o sangue vivo salpicando o ar em que se movia
Era uma vez um parto, e viveram felizes para sempre sem dor
Eu parto, sem parto, sem dor para poder evocar o milagre do teu sangue
Esse redentor ninho bordado nas tuas veias
Onde nasce e se suspende, o meu pensamento
Parto sem dor…