O ano de 1977 estava quase a findar. Laureava leve e sorrateiramente pelo mês de um Setembro bem quente.
Existiam dias, em que a noite não nos deixava respirar. Dezoito anos de idade… sim, mas já não voltam.
Vivíamos a loucura do som e da imagem psicadélica. As bandas eram tantas e de enorme qualidade que nunca estávamos de acordo.
O “ZéTó” espreitou para dentro do café do Xavier e com os olhos a brilhar, balbuciou:
- Pessoal, o Jorge convidou para aparecermos depois do jantar.
- Vais? Perguntei.
- Claro! Que achas?
- Inté!
Dança, palavra rodopiante, que nos percorre todo o corpo.
Dançar. Seguir a música que se insinua. Deixar o corpo encontrar a magia dos passos certos, ritmados… Quem sabe, sonhar.
Eu gosto de dançar. Sempre gostei, desde que me lembro. Não exactamente aquelas dançam aclamadas, como a valsa, o tango, e outras que tais. Essas são a beleza perfeita quando dançadas por quem sabe. São o encanto para os olhos quando o par remoinha enlaçado num qualquer salão.
Jantei apressadamente. Engoli uma perna de galinha, porque cada mastigada, era menos um minuto na garagem do Jorge.
Cheguei, e ela estava encostada à parede. Por cima da sua cabeça, uma estreita janela, convidava o luar a iluminar-lhe o rosto, a clarear-lhe o cabelo. Permanece uma réstia de luar pendurada nas paredes. Talvez reflexos do vestido que ninguém veste bordado da luz sobrante do último estio, ou do suor acre e perfumado de quem o usou.
Não era bonita. Mas sempre que estava junto dela, não sei descrever o que sentia.
Ainda hoje consigo respirar o odor do seu perfume.
- Dança comigo! Implorei, enquanto os nossos olhos trocavam carícias, que sussurravam na transparência da alma.
- Enlaça-me… Dança-(me)… Disse sorrindo e sem temor nos olhos cor de mar.
No caminho da musica Fearless dos Pink Floyd, senti que ora fluía, ora deslizava, como um véu feliz, afagado por uma brisa suave. Os nossos corpos progrediam, expressavam-se, encontravam a forma certa de dizer o que sentiam.
- Agora leva-me! Sentes a proximidade? O meu corpo unido ao teu neste leve movimento…
Sentia as linhas do seu corpo leve e esbelto.
O meu olhar era atraído para a enseada daqueles seios. O rubro do sangue inundou-me o rosto. As minhas mãos tocaram o abrigo das coxas que imploravam tremores de desejo.
O que o som nos faz sentir ou o que sentimos sem qualquer som, entre os gemidos e o fulgor do silêncio. E por vezes a dança já não é só dança, é amor feito ao som dolente de um simples sustenido.
Com a imagem serena, leve e mais nua que me recordo, pego na minha viola.
Esgadanhei as cordas num acorde de saudade, mas descobri que os meus dedos já não desfrutam da agilidade de 1977.
Nesta vertigem do declive do pensamento, na exaltação plana da realidade, percebemos que nem mesmo a morte dissolve um grande amor, porque quando se ama, esse sentimento é eterno.
3 comentários:
Hoje passo para fazer um convite - conheça e venha fazer parte de um novo espaço...
Beijinhoss, meu amigo
http://in-percepcoes.blogspot.com
sempre voltaste ... dá notícias ...
beijinhos
Ao tempo que não vinha cá, nada de pessoal, só muito trabalho e o correspondente cansaço. Depois de ver o teu título fiz-me a pergunta"onde estavas tu em 1977?" E recordei: 16 anos, a convalescer do último pé partido:). (especialista, já então, nos azares da vida).
Adorei o teu texto, recordou-me as nossas festas, por aqui tinhamos a "adega", no fundo do quintal, toda equipada, com bolinhA de espelhos e tudo. Cá em casa havia sempre amigos a entrare sair: os meus, os do meu irmão, formávamos um todo , nas festas e petiscos. Época psicadélica, mas também uma época linda.
Bjs.
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