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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O som do silêncio







A luz da lua esconde-se por detrás das nuvens que pintam o céu e cegam as estrelas. Está escuro na rua e cá dentro.
Puxei cuidadosamente os lençóis ainda imaculados e com um doce odor a alecrim.  
Outrora defini-a a magia das coisas como eu queria. Hoje sei que o brilho dos olhos e os sorrisos mais sinceros são justamente os causada pela ousadia do tempo que nos persegue sem dar tréguas. Olhei o relógio, os ponteiros seguem o seu rumo, sem início nem fim. Cada segunda a mais dele é um a menos meu, tenho consciência disto. Cobro-me paciência, esperança, passos firmes. Contabilizo não o que resta, mas o que foi e, caso amanha não chegue, sei que vivi ontem de jeito único e com certeza de cada detalhe. Posto que a vida é finita, findo por aceitar o fim reafirmando ainda assim que a beleza está no durante e não no depois. Deixemos o depois para depois que o agora é breve. Dê-me seus abraços e sorriso mais lindo, suas palavras ou até mesmo o silêncio, mas rápido, antes que o relógio me vença.
Depois de ziguezaguear nesta prosa mental, coloquei a cabeça tenuemente na almofada que brotava juntamente um cheirinho a alecrim. Abracei-me ao silêncio.
Quero o silêncio para poder ver quem é quem. Se o silêncio nos abandona, fingir com palavras é fácil. Quero gestos, expressões, quero ver a tristeza no sorriso e a felicidade nas lágrimas. Agora se me perguntarem o que quero, não sei. O que espero, nada. O amanhã, não existe. Não tenho rumo, não sei por onde ele vai, tanto faz. A minha vida é uma mentira.
Está repleta de sentimentos bipolares, dilemas éticos e temperamentos rudes.
Não há como decifrar o meu caos.
Resta-me morrer, adormecer, descansar, eternamente, dentro de um caixão de pinho, atrito dos vermes que me limparão até os ossos.
O que importa é o agora e eu estou com pressa, pressa de amar e de viver cada segundo antes que ele se torne um projecto deixado de lado escrito em alguma folha a lápis, borrada pelo tempo e pela minha memória.
Enfim! O álcool tem destas coisas. Faz os homens sinceros e a voz mais solta. Permaneço de olhos abertos ao vazio escuro dos poucos metros quadrados do quarto. Lambo os meus lábios secos num esgar neurótico. Volto-me nos lençóis, revolto-me na cama e já não sinto o cheiro a alecrim. Agora, sinto mais o bafio a álcool.
Lamento ter nascido tarde demais, numa época sem sabor nem requinte. Noutra era talvez reencarnasse um senhor feudal, nobre, mas solitário.
Pranto ter nascido, por si só. Seria feliz na inexistência.
Tenho pena vir a morrer antes de me tornar compreendido. Fico triste com a vida e com tanta coisa que acontece ao meu redor enquanto outros riem lauda e dubiamente.
Tenho noção que nem sempre o bom da fita tem um final feliz. Sei que por vezes esqueço os meus olhos em sítios menos próprios, numa saia promíscua, ou numa blusa mais transparente, mas mesmo assim tudo ainda me cheira a ti. Que queres? Sou homem e como diz Gabriel García Márquez – “o coração de um homem tem mais quartos que uma casa de putas”.
A aparente esterilidade da vida e a solidão são a grande sombra do meu caminho. Às vezes inclusive vem a sensação de ter tudo e de não ter nada ao mesmo tempo.
Jugo que não estou tão bêbado como penso estar, nem tanto quanto gostaria de estar. A doce seda ardente, fatal veneno, que me aquece as veias, não entorpece os sentidos, nem aguça o engenho. Mas, se assim fosse, as pálpebras arrastar-se-iam como portões enferrujados, até aos lívidos lençóis da cama.
O sentido de desorientação favorece a rima inocente dos sonhos… 
Todo este discurso pessimista é escrito nas curvas do teu corpo que se contorce, debaixo dos imaculados lençóis, agora com um travo a vinho mal destilado. Inertes ficamos à luz de uma vela curta e fraca, de pavio velho e amarelo, a determinadas, porém desconhecidas, horas da madrugada, quando as traças e os mosquitos já se tinham cansado de atacar a fraca luz do candeeiro de rua.
O cigarro poisado na beira do cinzeiro vai consumindo mais que eu mesmo, consumindo o tempo, a hora de dormir e os sonhos que ficaram por viver.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Esta noite papo a Teresa (se ela deixar…)



“A vida só pode ser compreendida olhando para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para a frente.”
Kiekegaard



Estamos mesmo no Entrudo. Mais um. Se sou esgrouviado durante o ano, nesta quadra mascarada, ainda me consigo superar. Só falta meia hora para chegar à Quinta de Santo António e não sei ainda que perfume usar. O resto do pessoal está pronto.
Sinto esvoaçar borboletas no estômago. É sempre assim quando estou ansioso. E esta noite tenho motivo para sentir as mariposas em voo picado. Todos os grandes matemáticos, usando a Teoria do Caos, dizem que uma borboleta batendo as asas do outro lado do mundo pode provocar um tufão na Indonésia. É que todas as coisas no universo estão de certa forma ligadas, e o bater de asas de uma borboleta pode provocar uma reacção em cadeia que termina gerando um tufão. E eu já sinto a rabanada em todo o corpo.
A Teresa, a “sopeira” e a “espanhola” vão lá estar. Alguma há-de passar a noite lá em casa. Pelo menos assim espero. Já não engulo ninguém desde a raquítica que conheci numa noite de luar vampírico na discoteca, nem me lembro do nome, porque já foi para aí há quase meio século. A Teresa vai ser trabalhosa mas vou começar por ela. Ainda hoje me lançou umas dicas. Vou tentar, não perco nada. E se não der, passo à “sopeira” boazona, mas feia como uma verdadeira sopeira deve ser. No entanto a tipa é um bocado maluca, quando se põe com aquelas conversas daquelas cenas góticas e dos livros requintados que anda a ler. Vou tentar é ser discreto, para a “espanhola”. Se a Teresa e a "sopeira" não quiserem levo a “espanhola”, que se lixe. A “hispânica” é mais fácil. Apenas um senão, já têm um “toureiro hermano” provido de umas mãos delicadas, que fazem lembrar umas castanholas. Tudo a condizer… O pior é que depois se vai pôr com tretas de sentimentos e mais não sei o quê... e já não sei se gosto dele… agora já gosto... e eu não tenho paciência nenhuma para aquilo. E não lhe gramo aquelas meias, sempre pretas, se ainda andasse como as outras, com as meias de rede debaixo da saia rodada quando julga que dança o flamenco. Ela não parece, mas não tem o mínimo bom gosto. Mas em contrapartida é só querer. No entanto primeiro vou à Teresa, é certo. E, se não der, à “sopeira”, que mesmo malparecida deve ser uma maluca na cama. Ou meto-me com todas e espero que passem lá por casa. Isso é que era bom... A sorte apenas sorri a alguns.
Mas o que me interessa agora é o perfume. Que raio de frasco hei-de abrir? Este da embalagem excêntrica é um bocado amaricado mas elas gostam. Eu é que não gosto muito. O da embalagem quadrada é mais vulgar. Mas eu gosto. Faltam dezanove minutos e ainda não me decidi. É que eu nem uso perfumes…
A minha sorte é que tenho o fato passado, por sorte já estava todo arranjadinho. Só me avisaram à última da hora, há minutos, foi mesmo por sorte, e aqueles papalvos esqueceram-se de me avisar mais cedo. Bem! Se fosse com mais antecedência, teria certamente esquecido. Porra… Os sapatos estão sujos. E agora nem tempo, nem graxa tenho para os limpar como deve ser. Mas com este gel no capachinho de um loiro espampanante, mas que me fica a matar, ninguém me vai olhar para os sapatos.
As patilhas estão bem. Eu gosto. Algumas dizem que não gostam, mas deve ser só para se meterem comigo. Digo eu!
Os dentes é que podiam estar mais brancos. Tenho de os lavar mais vezes ao dia. Tretas! Digo sempre isto e nunca faço nada. E, não quero que a higienista me dê na “carola”. Como em tantas outras coisas. Como sempre. Amanhã há ensaio. Eu bem quero pertencer ao coral, mas sempre que penso que me disponho em cima de um palco para cantar, sinto uma vergonha que apenas me lembro dos filmes das velhas tardes de Domingo, protagonizados pelo pequeno Joselito. Atendendo ao tamanho do rouxinol castelhano e ao volume da ave canora, a criança tinha seguramente as barrigas das pernas transformadas em amplificadores. Mas não é o único. Os vidros das janelas da Escola de Música tremem que nem varas verdes, de medo, quando a Zé solta a voz enche o peito de ar e em anafonese larga um mi bemol, com sabor a dó maior.
Devo reflectir um pouco sobre o assunto de me tornar vocalista. Julgo que já não tenho idade para essas coisas excêntricas, embora seja cada vez mais funambulesco. Pronto, já não estão tão mal, os sapatos. Espero é não os sujar pelo caminho. Pois é, o chão deve estar cheio de poças de lama e com aquilo que tem chovido não me admirava nada. Porcaria de tempo, no sábado não vai dar para ir fazer a caminhada. Os fulanos da meteorologia prevêem chuva, e não entendo, mas ultimamente têm acertado. Tenho de falar disso com o Miro mais logo. Tira-se um feriado, não será inédito, porque até a Igreja os quer tirar, mas remover mesmo… Espero que aquele cromo apareça lá. Ele é que sabe o caminho. Ele não é muito destas coisas, raramente sai à noite, mas esta noite vai ser especial. Tem um disfarce de um Viking, que faz lembrar o mítico Thor, o deus dos trovões e que tinha como principal arma o martelo de guerra, Miöllni, mas francamente quando o olhei, aquele adorno, mais parecia a galhada de um veado idoso. Sim, porque vão crescendo com a idade. O cervo catua que o diga, quando o tempo avança, a cabeça torna-se bastante mais pesada.
Eu, contrariamente sempre de cabeça leve penso que se não for hoje que papo a Teresa o melhor é desistir. Tenho de calçar os sapatos, escolher o perfume, vestir o engelhado casaco, dar uma boa noite à vizinha da frente, caminhar pela calçada, com os sapatos que me azucrinam os dedos mindinhos dos pés até ao café, encontrar-me lá com o Miro, beber um whisky em dois goles só para alegrar e depois vamos até à quinta que ele leva o carro. Ele que conduza, porque a mim o etílico não se dá muito bem com os meus lindos olhos.
 Passo com a vista no relógio made in China, tirado numa rifa e num dia de sorte na Sociedade lá do burgo, mas sempre certo e só faltam nove minutos para o acordado. E pasme-se, ainda não me decidi sobre a merda da fragrância que devo levar. Mais, não sei se irei papar, ou não, a Teresa, a “sopeira”, ou a “espanhola”.
Papar alguma, talvez quando o Rei fizer anos, mas segundo consta, os Monarcas apenas fazem anos nos bissextos, o que torna a coisa ainda mais complicada. O importante é não desistir… E, eu não desisti. Mas se tivesse o dinheiro de Vladimir Putin, era bem mais fácil… Também arranjava uma sósia de uma recordista olímpica de ginástica, nova em folha e linda de morrer como Alina Kabaeva, apaixonadíssima por mim.
 Agora, mesmo só falta o nosso Cavaco trocar a mulher pela Ana Malhoa e pronto.
Como não possuo o ar convincente do macho Russo com olhos de carneiro “mal morto”, nem a voz enrouquecida vinda do além do nosso presidente, fui até ao palco e como numa coreografia de Lady Gaga, dancei de joelhos com a Zé, uma espécie de minuete (talvez devido à caricata posição) com sotaque brasileiro e claro que passei a estar no centro das atenções.
A minha sorte foi que o Elvis Felício que por lá andava tinha os pulmões atestados de pneumococos e muito abaixo de forma. Tal a “carraspana” que teve de retirar a farta cabeleira do Elvis, destapar a coroa do Felício para a cabeça poder respirar. A testa a gotejar, um esforço para caminhar um enorme beijo à índia Cheyenne foi dar.
Enquanto tudo ia decorrendo com muita tranquilidade (sim… mesmo à Paulo Bento) com toda a serenidade que o momento exigia o homem dos chifres euplásticos, ia esvaziando garrafas de whisky velho, julgando-se ainda um rapaz novo. Ele há cada um… De mota não sabe andar, de bicicleta, nem falar de dançarino, rápido e de ancas a abanar… a Zé fazia rodopiar, arduamente, sem parar.
Passei junto à “sopeira” que me tirou as medidas enquanto acariciava com olhar lânguido o branco avental. Sorriu-me e acreditem que me assustei. Não que a moça fosse assim tão feia, mas dava ares…
Então fui chamar o Daniel (my son), rapaz jovem e bem-parecido, ela mudou o foco cintilante, sacudia o avental com o calor do momento, tentando arrefecer o ensejo. Bem! Quem não apreciou muito a mudança de agulha da “sopeira” foi a little Andreia que acendeu os faróis de nevoeiro de tal forma que o Daniel (my son) ficou encadeado com tanta luz e tentava a todo o custo evitar aquele olhar. Virou costas à “sopeira” que se sentou traçando a perna com altivez na tentativa de deixar as coxas ao léu.
Exposta ficou também a firmeza do Daniel (my son) que embaraçado e rodando os calcanhares foi até à casa de banho. Maquinalmente, a razão a desafiar a vontade mais profunda, tapou o ralo do lavatório, abriu a torneira, e lançou jactos de água para a face enquanto maldizia a sua vida e tudo o que ela implicava. Repetiu a promessa – nunca cumprida – que fazia de segunda a sexta-feira, religiosamente, àquela hora: que nessa noite se deitaria mais cedo.
Quando se ergueu, lá estava ele, no espelho meio embaciado, mal-encarado como sempre, com ar de que todos lhe deviam e ninguém lhe pagava. Passou a mão pela pequena cicatriz feita na véspera e perguntou-se onde aconteceria a cicatriz de hoje. Uma outra pergunta ecoou-lhe na caixa craniana, propagando-se como um incêndio de Verão, até lhe queimar os lábios. “O que queres ser quando fores grande”? O homem no espelho mostrou-se surpreendido e até chegou a encolher os ombros, sem saber o que responder. Mas havia uma resposta, a mesma que dava quando era infante e que tantas vezes fez sorrir quem o interpelava. “Quero ser baterista e quiçá bancário”!
Entretanto fora das escassas quatro paredes que formavam a casa de banho dos homens, a “espanhola” passeava os dentes e não só, pelo palco filada ao toureiro numa lide a pé, que cobiçaria certamente, “Pedrito de Portugal”.
Agarrada ao longo vestido estampado, volteava sobre si mesma dançando uma sevilhana. O “toureiro” esboçava um sorriso forçado como um lidador deve sorrir quando da volta à arena. Arrastando os pés e olhando disfarçadamente para a retaguarda. Não sei se com receio do meu amigo disfarçado de cornípeto, ou com medo de ser colhido com alguma gravidade, pelos dentes da bailarina.
A noite corria célere, e eu saí ao jardim, acendi um cigarro, pestanejei o olho à little Andreia, que apesar de fula com a “sopeira” era a única que colocava alguma ordem assertória ao nosso grupo e pensei… Este foi sem dúvida o meu melhor Carnaval. Com bastante desconsolo lá fomos até ao carro. Por magia todos chegámos a casa salvos.
Apesar das garrafas que tombaram em guerra, o carro seguiu como conduzido por David Copperfield, o tal que realiza cenas mirabolantes. A noite tinha sido igualmente aparatosa. Para ser absolutamente perfeita, faltava realizar o tal desejo. Papar a Teresa…
Sempre que nos papamos de uma forma prosaica e ígnea declamamos os verbos mais sagrados que sabemos recitar.
Acordei no dia seguinte um pouco indisposto. Tentei levantar-me. As pernas saíram da cama, mas a cabeça continuou presa à almofada. A sensação de peso era tal que levantar uma pálpebra era necessário da minha parte um esforço descomunal. Necessário será dizer que não consegui levantar a cachimónia. Para ali ficou abandonada e oca, sem força e apoiada entre as duas almofadas.
O curioso de todo este episódio romanesco é que ainda hoje, não tenho a certeza se papei a Teresa.
Não sei mesmo! Eu julgo que sim… Mas como diz o meu grande amigo Miro, a raposa tem sete manhas e a mulher a manha de sete raposas… Fiquem a pensar…
Eu farei o mesmo.

(Memórias híbridas do Carnaval de 2010)