Performancing Metrics

BLOGGER TEMPLATES AND TWITTER BACKGROUNDS »

sábado, 31 de outubro de 2009

"Gostava tanto..."



Aprendi o saber de não ter pressa.
Aprendi que o amor pode ser silêncio.
E porque o amor pode ser apenas silêncio,
ela, não respondeu.
Porque eu não tinha perguntado.
Assim, aprendi a não tentar adivinhar o passo seguinte
porque me pode poupar da desilusão.
Aprendi a conjugar o verbo ser
nos tempos todos, meus e vossos.
Aprendi o poder do abraço,
a linguagem do sorriso dos lábios,
a beleza inimitável do olhar,
e dessa forma, fitei-a nos olhos apenas, e li-a.
E ela desvendou-se,
Abriu-me a alma do seu olhar.
Aprendi um pouco de tudo,
no tamanho possível que me foi concedido.
Então sussurrei-lhe:
“Gostava tanto…”
Um dedo fino nos meus lábios,
Uma mão em concha na minha face
E percebi,
Afinal, ela já sabia.
E eu não perguntei
Ela já me tinha respondido.
Agora, já não tenho pressa de mais nada…
Deixem-me viver, mesmo que enganado
acerca do verbo e do próprio tempo.




quinta-feira, 29 de outubro de 2009

No trilho da memória


Fui traído pela minha imutável apatia, e atraiçoado pelo sono. Com água numa simples garrafa afastei todas as almas deste e do outro mundo. Bastava-me a companhia do silêncio e da garrafa de água para me saciar a sede do invariável.
Percorri a estrada problemática e sinuosa do pensamento.
Durante o trajecto, não vislumbrei cruzamentos nem paragens obrigatórias. Pelo menos não vi.
Senti latejar o meu cérebro. As têmporas pareciam um tambor numa parada militar.
Estacionei o carro. Apaguei os faróis. A luz transformada em nostalgia.
O espelho retrovisor lado a lado com a solidão. De súbito acendi o brilho, sem rasgar a sombra, solitária e antiquíssima e calquei de novo o asfalto negro do pensamento.
Pela janela, observava a marcha veloz da paisagem, de seguida como embriagado fitei a inerte e poeirenta pupila da lua.
A boca não falava: a boca escutava metástases de omnívora iluminação.
De forma maquinal desci o vidro da janela e sob a sombra dos olhos deixei penetrar a noite como um corpo desenhado na álea dos ossos.
Afinal é nas colinas acessíveis e tardias que o mundo envelhece.
Senti a memória do sangue do céu-da-boca despovoada da fala, o silêncio libertado.
Deslizei para o espasmo factício do corpo enluarado, cuja morfologia desentendo.
Palpo o calor branco, o calor frio. O calor branco do calor do frio da terra batida.
O corpo esgueira-se do mercúrio trinta e oito pontos dois, e sobe: poalha lunar e mudez esclarecedora.
Doía-me todo o corpo. Naquele momento, a dor cingia-se apenas num furo em cuja abertura assoma uma formiga construtora, de forma a cismar a cigarra da dor no seu eterno e pobre canto, apenas para certificar-se da sua construção, pensei.
Sem mover um dedo, sem remorder a implacável solidão, nem uma torção esbocei, nenhuma entorse na ignição. Apenas o mutismo como que esperando alguém, um alguém feito de tinta permanente, que me pegasse na mão, que me aprumasse o céu nas minhas garras, afagando-o ali, no meu covil.
Cai-me o corpo nas mãos. De certo é a lua a transpor a escuridão da morte, a virar a página sob uma nuvem movente. Dói a dor, na sua ameaça.
Não sei se te perdi, ou se tu me perdeste. Ou, se acaso, ambos nos perdemos?
Ou na realidade, nunca nos encontrámos!
Talvez viva a doce ilusão do milho rei, na cor diferente, do bando perdido de pessoas sóbrias.

sábado, 24 de outubro de 2009

Rosas de um vermelho desbotado


Sob o olhar aceso de uma lâmpada fusca, pousam os nossos corpos cansados.
Deixo pernoitar a utopia no deserto do meu peito.
Respirações loucas traduzem a emoção, de horas e minutos passados. Duas almas vendidas a um amor incerto, crentes num feliz final.
No mistério dos afectos inexplicáveis que se debruçam sobre ti, e te encontram quase nua, envolta em pequenos pedaços de desejo, é nesta breve cantata de solene toque sagrado, que me dispo e me disponho para ti.
Numa faísca, trago uma coberta bordada de palavras mágicas que te aquecem os seios, fazendo-os enrijecer apenas ao toque da palavra desejo.
Depois deixo-te as tuas flores eleitas sobre a mesa, rosas de um vermelho desbotado como os teus lábios, que se alisam quando se provocam, beijando o ar quente que passa e deleitando-se com o prazer do momento.
Abro uma garrafa do melhor néctar, na esperança de me embriagar junto da fantasia que me enlouquece, até que a noite caía , e com ela as minhas ilusões.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Sou um viciado



Tu em mim, eu em ti, como um só corpo.
Olhos nos olhos, falando amor.
Mão na mão, para espreitarmos o toque da pele.
A vida que passa por nós cheia de esperança e vontade de ficar.
Eu em ti, tu em mim como dois corpos fundidos pelo anseio e pela lembrança profunda de um desejo incompleto, inacabado.
A vida a passar depressa, a ansiedade do jamais não se extingue.
Nós em nós, como em uníssono sentindo que existem dias eternos, momentos raros. Por vezes, dias raros vividos ao lado de momentos eternos.
Os nossos olhos colocados nas estrelas, postos numa recordação e a mão no peito que dói.
O padecer por uma vida que passou sem nos dar uma oportunidade de desvendar que os nossos corpos foram esculpidos para amar. E eu amo-te com a força que não tenho, com os meus passos incertos e trôpegos.
Amo-te com raiva. Amo-te com desespero e ânsia de ti. Amo-te com uma ternura louca. Amo-te sem-fim.
A saudade volta a tocar nos nossos corações e pinta-os de novo de vida, de eternidade, e de esperança.
Faz-se mundo de novo. Todavia sinto-me preso pelas grades da cela do medo.
Mas, a tinta volta a enxugar e as fissuras tornam a surgir nas paredes do coração. Odeio-me mais que a mim mesmo.
No entanto adoro os meus vícios. Preciso deles. Tenho-lhes afeição.
Sabem o que há entre um homem e o seu vício? Tudo e nada.
Dormimos com ele. Vivemos com ele. Respiramos com ele. Faz parte da pele. Faz parte de nós.
Não nos larga. Nunca. Senão não era um vício.
Qual é o meu vício? Outro cigarro, outro Eu, outra vida.
Meu Deus! Trago tantos segredos de amor nas pontas dos dedos e não tenho corpo onde os deixar.
Sou dono de dunas de memórias inquietas.
Mas, o brilho da lua não chega para as acalmar.
E é tão breve a essência do mundo no infinito do teu olhar.
Enorme o meu peito quando se abre dentro da palavra.
E, quando me tocas no silêncio que a minha boca encerra, beijas-me subtilmente o desejo de te ter, sem te ter.


Sou um viciado de ti.


domingo, 18 de outubro de 2009

Amor inocente (2) - Continuação


Parte 2


Abalamos calmamente. Não era nossa intenção dar nas vistas, mas mesmo que fosse julgo que não ia surtir qualquer tipo de efeito sob aquelas almas, agora, complemente pedradas, absorvidas no seu mundo, muitas delas já a ressacar e a dormir, um coma profundo.
Quando alcançamos a rua, tudo muda.
Apercebo-me da sua beleza, à luz de um candeeiro, que emite uma luz dourada.
Os seus braços ganham, igualmente, essa tonalidade dourada, como se toda a sua pele tivesse sido submetida a um banho de ouro.
Era a sua aparência física que estava a ganhar riqueza perante os meus olhos, que se iam habituando a uma luz que tinha aumentado de intensidade.
A conversa começou a fluir, e não demos pelo tempo passar. A nossa conversa corria como um rio alvoraçado, preste a transbordar as suas margens. Encontrámos uma série de semelhanças, e parece que o nosso encontro, naquele pequeno apartamento, não tinha sido um acaso.
Muitas pessoas que lá se encontravam, a tomarem substâncias menos próprias eram amigos comuns. Outro aspecto relevante era a nossa dura batalha, que tínhamos vencido.
Não deixei de ficar preocupado, com a sua tristeza em relação a uma das suas amigas que estava cada vez pior, como me segredou.
A conversa prolongou-se até altas horas da noite. Dissemos tudo o que tínhamos para dizer um ao outro, dissemos tudo aquilo que não poderíamos ter tido na divisão daquele apartamento, circundados pela escuridão e envolvidos por aquele som ensurdecedor.
O meu coração palpitava como que alimentado por cinco cavalos de corrida. Pequenas gotículas de suor escorriam das minhas têmporas e axilas. Sentia-me nervoso.
Avizinhava-se a hora do fim e não queria estragar uma noite que até ali tinha sido perfeita.
Acompanhei-a até casa com passos curtos, fazendo com que o tempo também caminhasse devagar e com passada breve. Estanquei junto da porta. Agarrei-lhe suavemente na mão. Senti a sua linda mão a tremer, e olhei-a nos olhos.
Molhei os meus lábios, momentaneamente secos, e acalmei a minha respiração um pouco acelerada. Imaginei que a sua respiração também não estivesse dentro dos limites da normalidade, para alguém que está estático.
A nossa respiração estava certeira, era a respiração de quem estava enamorado, ou de alguém que tinha uma atracção especial.
Os nossos olhares fixaram-se por longos instantes. Aproximei os meus lábios dos seus, e fui-me aproximando cada vez mais, lentamente. Ela correspondeu. Selámos o nosso encontro com um beijo quente. Os seus lábios ferviam. Os meus abrasavam.
Uma nuvem nasceu no ar e baptizou com gotas frias o nosso encontro naquela madrugada resfriada. Despedimo-nos, deixando logo a saudade ali plantada: uma plantinha acabada de nascer, a necessitar de carinho e amor.
Era o que nós os dois necessitávamos, e isso, só nós o podíamos oferecer um ao outro. Circunstâncias da vida atraiçoaram o nosso “amor”. Apenas e só mais uma vez pude contemplar aquele ser frágil pintado a ouro.
Daquele acto de paixão sobrou apenas um corpo, o meu que conseguiu fintar a morte, mas o harmonioso corpo de Inês foi de forma purgante cobiçado e avassalado por uma galopante leucemia.
Vivia os dias com gáudio e a vivacidade dos seus dezoito anos quando foi atraiçoada.
A angústia caiu sobre todos como uma espessa cortina que nada deixava ver para além da tristeza negra e opaca.
Os pais e o irmão solidificaram no tempo, porque ela, por natureza ou falsa ingenuidade, encarava aquela doença como uma gripe que com alguns dias de cama e um chá de menta acabaria por entorpecer e ir embora.
Chegaram os resultados dos exames, das análises e a sentença do internamento.
A famigerada e odiada quimioterapia roubou-lhe, indiferente à idade e vontade de viver, o cabelo dum tom entre o ruivo e loiro mal definido e atirou-a para uma cama de hospital aonde ela continuava a cumprir o horário dos trabalhos de casa para passar nos exames.
Foi quase um ano de internamento por três hospitais que a Inês viveu, animando pais, irmão e demais família. Sempre confiante mesmo quando sem cabelo, usando uma boina, apregoava que o que viria a seguir seria mais forte e bonito, como quando ao fim de quatro meses de cama, tendo perdido o hábito de andar, se desculpava quando se desequilibrava, com o facto de os sapatos serem novos e duros.
Os tratamentos amainaram, e a recuperação parecia surgir finalmente.
A batalha entre os glóbulos brancos e vermelhos parecia estar vencida. Mas numa guerra, não há caído ou triunfante, mas sim vitimas das circunstâncias.
Voltou para casa para a brincadeira imparável com o cão, conversa com os vizinhos sempre chorosos de felicidade quando a encontravam, retorno à pesca no rio com o irmão, até surgir o desejo inultrapassável dum bom mergulho na piscina.
E concretizou-o com quase meia hora de natação.
Faleceu às 19,38 horas.
Foi sepultada com o vestido oferecido pelo padrinho que nunca mais apadrinhou alguém ao longo dos poucos anos que ainda lhe restaram.
Eu, já resolvi que serás sempre minha, mesmo ausente.
Podemos conversar como sempre. Viver a vida como sempre. Morrer a morte, se dela quiseres falar.Querida amiga, sabes de vida, morte e ressurreição muito mais do que eu.
Recebi hoje um postal natalício, daqueles feitos pelos deficientes de todo o mundo com uma destreza formidável que nem sempre atinge as culminâncias da arte.
É de um colega do trabalho, da nossa idade. Nada de raro: Saúde, felicidade, ano novo cheio de concretizações. Tudo pode ser uma concretização, até a morte!
Mas há alguns meses ele telefonou-me, preocupado com as notícias sobre a morte de outro colega, um tipo tenso e ginástico que levara vida profissional apagada e se divorciou por causa da amante, mas continuou a beber demais, a fumar em excesso, a andar num enervamento até cair fulminado.Respondi-lhe para lhe dizer que todos têm a sua hora. Uma banalidade e uma verdade. Amiga, penso muitas vezes em ti porque estás longe.
Amei esse impetuoso e exíguo e inocente amor de um homem por uma mulher.
Hoje de manhã olhei o céu soprei um beijo e como por sortilégio uma brisa fresca acariciou o meu rosto.
Sei que foi a tua réplica. Até sempre Inês!

sábado, 17 de outubro de 2009

Amor inocente (1)

(O texto que se segue é baseado em factos reais. Uma crónica inocente e sentida. Nomes e locais foram alterados para preservar a intimidade dos intervenientes e respectivas famílias)


Quando germinou foi angariada pelos pais como maravilhosa bênção de Deus. Já tinha neste mundo um irmão com dois anos de vida que ansiosamente a esperava para formarem o casal ambicionado. E Inês chegou.
Como todos nós, maquiada com os produtos do ventre da nossa mãe e não só. Chorou quanto pode e depois esqueceu-se de chorar para o resto da vida.
Perspicaz e hiperactiva, aprendeu desde muito cedo a pesar as palavras e a utilizá-las na medida certa de forma a não magoar.
Para ela todos os mais velhos que os pais eram avós. Simplesmente.
Na escola tentava esconder as suas capacidades com uma capa de modéstia, roçando por vezes a humildade excessiva, que a levava quase a um pedido de perdão quando obtinha resultados excelentes, com um: “Não tenho culpa!
Eu também não tive culpa de me cruzar contigo. Não tive culpa que os meus olhos repousassem nos teus.
Sei que trinta e dois anos-luz me separam do teu olhar, dos teus abraços, dos teus beijos.
Não quis ter mais amigos quando te conheci, tu também não. E no entanto é bom ter amigos, podem fazer-nos bem. Sabes?
Não preciso de te escrever, pegar na caneta, alisar o papel, és tu sempre que bates à porta da minha imaginação e te sentas à beira da minha cama que tantas vezes usámos como cenário para as nossas conversas sem ponto final.
Disse, cenário? Disse mal! A palavra pode implicar representação. Digo antes, que a minha cama continua a ser tudo como se o meu quarto fosse o próprio universo que nele se contém, porque é apenas um e está todo lá quando conversamos.
Hoje está frio.
Arranjo mantas próprias para os joelhos, Fui buscar o jarro de sangria que sempre apreciaste, porque tem a cor do sangue da vida.
Desculpa, não está assim tão gelada, mas podemos fazer de conta para estarmos de acordo com a época em que nos conhecemos. Um inverno de granizo até aos tornozelos, de fome, medo, silêncio, coisas assim.
A festa de aniversário do Ricardo era nesse dia. Também estavas convidada.
A minha memória está turva como o ambiente que nos envolvia.
Um odor a “erva” paira no ar, como se um rastilho de incenso tivesse sido deixado a arder durante várias horas.
O cheiro infiltra-se nas paredes, nos corpos dos jovens que ali se encontram, e partilham conversas menos apropriadas, e desvendam aquilo que provavelmente não conseguiriam numa situação rotineira, desprovidos do efeito de uma droga, que se encontra à venda ao virar da esquina.
Um jovem “snifa” um resto de cocaína que se encontra numa mesa improvisada. Um sinal de STOP, que roubaram certamente numa das suas noites de distúrbios, assenta num tronco de madeira maciço de base redondo.
Outro jovem com salpicos de barba dança agitado e eufórico ao som de uma música mais exaltada, uma música de ritmo mais dançante.
Nem se apercebe das outras pessoas que o rodeiam. No entanto, esta euforia artificial dura pouco tempo. Cai, de seguida, num adormecimento profundo, numa angústia tal, que não consegue mexer uma palha e mergulha na escuridão.
Um grupo, rondando os seus 16,17 anos, partilha mais um “tesouro” que vão rodando cuidadosamente num pequeno círculo. Encontram-se sentados em cadeiras um pouco desconfortáveis. Não ligam a esse pormenor. Estão, ali, em amena cavaqueira e partilham o cigarro sentindo-se bem e soltos pelo efeito provocado.
Um clima de obscuridade invade a sala. A luz não é propriamente bem-vinda naquele ambiente.
O negrume é rainha e senhora, e apenas por vezes um flash de uma luz psicadélica irrompe pelo escuro da sala, quebrando assim a monotonia da cor. Mas, nem todos se entregam às malhas narcóticas.
Encontro-me num canto a observar este cenário de autêntica destruição pessoal, e tento abstrair-me do que se passa à minha volta.
Há uma rapariga que também está sozinha do outro lado da sala, com um copo na mão. Bebe, uma bebida qualquer. Daqui, parece-me um sumo de laranja.
Constato, no momento, em que um dos flashes decide reaparecer e dar um pouco de luz à sala mergulhada na escuridão.
Enxergo o sumo a invadir o seu corpo frágil, como um metal detectado numa banal radiografia, uma vez que nos encontramos numa sala totalmente, desprovida de luz.
Tento, assim, aproximar-se dela e começar uma conversa pelo ponto que nos une: somos decerto os únicos naquele ambiente que não estamos sob o efeito de qualquer narcótico.
Remoí o meu cérebro tentando achar as palavras certas para uma primeira abordagem, uma vez, que se falhasse, viria a única pessoa, que me despertou interesse naquela sala, dar-me com os pés na cara e não me dar qualquer tipo de atenção, e preferir estar sozinha, como se tinha encontrado até então.
No entanto, tudo se resolveu, e penso que tinha escolhido as palavras exactas.
Já me tinha cruzado com ela, inúmeras vezes, contudo nunca lhe tinha dirigido a palavra. Pensei que talvez não fosse o momento exacto para travar uma conversa, num ambiente tão depreciativo como aquele.
Sentia-me sozinho, disso não havia qualquer dúvida e ela era a única pessoa que poderia ter alguma conversa construtiva.
Decidi, então fazer-me à estrada, ao pequeno troço que nos separava, e toquei-lhe no braço, antes de encostar a minha boca, no seu ouvido direito.
A música estava demasiado alta, o que tornava a comunicação algo difícil. Convidei-a a sair daquele local, uma vez, que notei que ela também não estava confortável com todo aquele panorama.
Ninguém deu pela nossa saída.




(Continua)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Poema dos cinco sentidos


Sempre que te dispo e experimento a tua nudez envergonhada, envolve-me uma sensação de êxtase por te ver alinhada ao meu lado.
Rasgo com as unhas rentes, muito devagar, o tempo que cessa.
Alimento a paixão dos dias e noites que nos funde aos poucos quando nos envolvem os lençóis esverdeados de esperança.
Absorvo-te o sumo das palavras que escorrem agora pelos meus dedos que me ensopam os cinco sentidos.

Vejo o teu corpo ondulado cercar o meu, como raízes aéreas que me inundam com a tua seiva. O suor a gotejar pelo teu ventre por mim descoberto, por mim flagelado.
Ausculto o arfar do desejo que emana como um fogo farto no teu peito e, que finda num gemido inexprimível.
Cheiro o odor a suor repleto de moléculas de prazer espicaçado pelo movimento da maré do amor.
Sinto a oscilação desse teu corpo em harpejo como um pentagrama de uma só linha que me exibe o teu canto Gregoriano, numa só melodia.
Provo-te com o delírio do “umami” da tua carne, o doce da tua pele sedosa de trigo, o amargo a fel da míngua da minha vida, a acidez untuosa da minha pobre existência, o salgado das tuas lágrimas de emoção que se soltam nos olhos do teu coração.

E quando te abandonas nos meus braços, deixo de ver, encoberto pelas lágrimas de sal, sempre que sinto o reflexo em cada lua cheia.
Tu perdida em êxtase por me ter, no labirinto da minha existência, fazes-te a fêmea outrora adormecida e surge a mulher sem máscara, já desfolhada de roupas e incertezas.
Mas hoje só quero a ausência como companhia, e o silêncio como alento.
Faz por esquecer quem eu sou, neste instante e para sempre, porque eu hei-de esquecer-te, tal como o amor se esqueceu de nós.
Mas como diz o poeta:
“Enquanto não há amanhã... Ilumina-me!”

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Quero esconder-me do mundo


Com a alma em carne viva saí ontem à noite acompanhado simplesmente pela minha sombra, única companhia que ainda me tolera.
Na esquina de uma estrada avisto uma silhueta igualmente perdida da vida.
- Olá – Disse sedento de falar com alguém. Já não suportava a minha voz em mim.
Seguiram-se momentos de silêncio, não sei quanto tempo fora mas parecia uma eternidade.
- Hoje não tenho onde ficar – Verbalizei de súbito.
- Bonito... Queres tomar um copo? Vem comigo. – Disse abrindo um sorriso forçado, tentando mostrar-se simpática.
Levou-me por meio da escuridão até um sítio pardacento, isolado onde havia uma carruagem abandonada, com manchas de zinco no topo a tentar tapar uns quantos buracos. Dentro do tugúrio havia um colchão podre e verde. As seringas estavam espalhadas por todo lado. Pegou numa botelha, num fósforo e repentinamente fomos inundados por uma luz dançante.
- É aqui…
- É a minha mansão, onde levo a minha vida.
- Dormes cá?
- Não tenho mais lugar nenhum. É um bom sítio. Aqui só estou eu e a lua.
- Posso ficar cá?
- Nem penses.
- Vá lá, deixa-me ficar, só hoje.
- Já disse que não!
- Porquê? Tens um colchão e tudo. Não deve ser a primeira vez…
- Porra que és estúpido! Porque preciso de dormir e só há uma cama. Para "brincar" uma cama chega, para dormir já é outra conversa!
Mas, hoje precisava de me esconder do mundo. Sentei-me também no colchão. Como pode ela viver aqui? É um lugar pequeno, sufocante, tão escuro. Ergui os dedos e apalpei a madeira que protegia a porta. Feri-me com alguns pregos arrebitados. Gritei, mas ninguém me ouviu.
Penso que grito baixo demais. Julgo que já tenho os meus dez dedos a sangrar. Coloco-os um a um na boca, chupo aquele doce acre vermelho. Afinal apenas o indicador da mão esquerda pungia.
Sinto muita dor nas costas, pois o tecto é baixo demais. Fico assim, encolhido, os meus joelhos quase que tocavam o queixo. Aliás, se bocejo os meus dentes vão arranhar os joelhos, e sei que também eles estão a sangrar.
Não me consigo virar, nem para esquerda, nem para direita, nem para trás. Mas escuto muitas vozes no lado de fora.
A vida caminha normalmente. Gritos, cães que ladram, a voz de Marlyn Mason tão perto que consigo visualizar as suas unhas negras arranhando-me a cara.
Uma velha televisão pisca ondas de luz coloridas que me fere os olhos. Mas ela disse-me que a primeira coisa que fazia era dar ao botão. Quando os clientes somem, ali fica o dia inteiro até o final da tarde, sentada ou deitada no colchão verde, tendo como companhia apenas e só as pulgas. Mas confidenciou-me que paralisava pela magnitude das catorze polegadas, onde cabe o sucesso, brilho, beleza, guerras fenomenais, amores arrebatadores e performances de delitos do mundo inteiro. Era hora do jornal nacional e depois a esperança da heroína da novela. Parece que está emocionada, pois ouço, “Jesus do céu!” Olho de lado para o sorriso do presidente da república. Mas não posso nesta minha posição desconfortável expressar merda nenhuma. No momento estou ocupado, e não posso fazer grandes coisas pelo meu país. Quem sabe nas próximas eleições? Assisto, somente. Queria só sair dali. Afinal de contas, a vida continua. De repente apercebi-me de quanto era absurdo, tudo aquilo que estava a fazer.
Andei todo o dia à deriva pelos recantos da cidade, sem saber como agir. Estou sem cabeça para pensar em soluções, e portanto vagueio, sem sentido pelos recantos do meu cérebro em busca de uma solução.
Não podia ser descoberto, essa era a prioridade das minhas preocupações. Durante muito tempo abria-me para os outros, sem constrangimentos, até que aprendi que o homem calado tem muito mais a ganhar.


Texto: In "A filha que nunca tive" (Não editado)


Imagem: Google

domingo, 4 de outubro de 2009

Amor aluado


A noite passada, fui visitado pela incómoda e pedante insónia.
Pensei no que melhor pode existir, o amor. Embora nunca o tenha encarado de frente, olhos nos olhos, ele sente-se e refolha o nosso coração inundando-o umas vezes de loucura, outras de tristeza.
Mas amor só existe para alguns. Tu, mesmo com todas as tuas recordações, fazes parte daqueles a quem não foi dado o amor.
Tu e tu, muitos milhões de outros. Tal como as enormes multidões deste planeta, que obedecem a reflexos condicionados.
Todos alienados pela religião, pela política, pela imprensa, pela televisão, pelo cinema, pela literatura, a boa e a má, que miam nos telhados, a cada minuto a cada segundo, o amor, sempre o amor.
Não há amor, para todos esses desprovidos, condicionados e que vivem redondamente enganados.
Para esses que só tentam obedecer ao instinto reprodutor, existe um só terror comum, o medo da solidão.
A dois partilha-se melhor o peso do isolamento. Então, não importa quem, não importa o quê, tudo menos a sensação de angústia. É a isso que se chama amor. O medo da angústia. O terror de viver só, no lado escuro da lua.
Apenas os eleitos, podem construir castelos inacessíveis. Os outros constroem cabanas, que são levadas pelo vento, que o tempo gasta e estraga. Para estes não existe amor, apenas amores mortos, embalsamados, que dão, a grande distância a ilusão da vida.
O verdadeiro é sempre trágico e doentio. É o que viviam Tristão e Isolda, com a espada no centro do leito. É o que perseguia D. Quixote nas planícies da Mancha, na caça à sombra, essa busca exaustiva e raramente triunfante.
Finalmente, o vento do sul vence o vento do norte. Chove e a paisagem está desbotada. Painéis de bruma escondem o horizonte.
Na praia, algumas rochas são fustigadas pelo mar.
Preciso trabalhar. Para começar, terminar o prólogo das páginas que ando a escrever.
Preparo um chá de menta. Acendo o rádio. Falam do Vaticano e do novo papa. Eu pessoalmente admirava o João Paulo II. Eu escuto, mas não oiço. Depois, insiste numa marca de aperitivos. Tudo isso se afoga numa música dos Queen, que cantam “The show must go on”.
De facto o espectáculo tem de continuar.
Se encararmos a vida como um espectáculo esta deverá continuar, tentando dar-lhe um final feliz, como a maioria das representações.
Penso em Regina a minha primeira mulher. Olhos castanhos esverdeados. Era louca, dessa loucura organizada das mulheres que não têm nada para fazer, senão inventar uma loucura para se distrair. Adorava, a psicanalise.
Num dos meus livros, fiz o retrato a cores e de corpo inteiro de Regina e dos seus obtusos amigos e essa foi uma das razões do nosso divórcio.
No rádio, e na vida, Freddy morreu. Regina talvez também tenha morrido; há cinco anos que não tenho notícias dela.


Texto: In "O lado escuro da lua" (Não editado)
Imagem: Google

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Primeiro amor

Dizem que o primeiro amor nunca esquece. Eu sei que não e quando o primeiro é único, permanece na nossa memória para sempre.
Os teus olhos percorreram a distância toda do ar e pousaram nos dela, que espreitavam de uma janela do 3º andar, do prédio na rua junto à escola primária.
Ficaram muito tempo a olhar até que a rapariga se lembrou de te enviar um beijo na ponta dos dedos, e tu respondeste no mesmo gesto, cheio de felicidade.
Embora já se conhecessem, o amor dos dois nasceu naquele dia: era um dia azul de Agosto e nessa noite, foram com as sombras deitar-se na relva húmida do jardim, ao lado da igreja onde, anos mais tarde, desesperados entraram para pedir ao padre que os casasse.
Amaram-se como nunca haviam amado alguém, lutando contra todos os obstáculos que lhes surgiam pela frente; choravam muitas vezes, atados um no outro, dizendo palavras que mal conheciam.
O corpo imberbe da rapariga crescia nas mãos cegas do rapaz.
Um corpo macio de seda onde a pureza do sexo nascia não se sabe de onde. Eles não o sabiam.
Naquele tempo, cicatrizados por tantos sentidos proibidos que encontraram na vida, chegaram à conclusão de que ninguém nasce livre ou que não havia liberdade, tão pouco lhes importava.
Perseguidos pelo medo do que os outros pudessem pensar, faziam-se passar por irmãos ou primos e iam viver momentos eternos como se só eles existissem no mundo.
Amavam-se no baloiço do parque, vigiados pelos olhares mudos das aves; as horas saltavam tão depressa que um dia representava um breve instante onde era impossível mostrar tanto amor.
Brincavam à apanhada junto ao campo de basquete do Liceu e ele deixava-se apanhar e colocava-a às cavalitas, as mãos pequeninas dela leves à volta do pescoço e o murmúrio dos lábios quentes faziam-no estremecer e amar e sonhar cada vez mais.
Às vezes caía uma tristeza tão grande no meio deles que os deixava confusos e tudo parecia feio e frio e sem sentido: o próprio jardim para onde iam brincar não estava assim tão afastado do mundo como desejavam e as flores que ele apanhava para lhe oferecer não eram as flores que ela aceitava com aquele sorriso de pétala vermelha, pegando-as com ambas as mãos, colocando-as depois por entre os seios que cresciam devagar.
Qualquer coisa murchava e eles não o sabiam. À noite, aproveitando a ausência da mãe que já dormia, ela ia para a varanda coberta de sombras e apaixonada escrevia mensagens que lançava para baixo onde ele, como um desesperado, pedia com os olhos que ela o amasse para sempre.
Apanhava os papelinhos ainda no ar, volteando por sobre a sua cabeça e ficava feliz com tanto amor fechado nas mãos. Depois despediam-se, beijando a distância que os separava.
Fechado no quarto, insone, ele escrevia no caderno dos seus poemas o, quanto a amava; coisas que não sabia dizer-lhe.
Um dia entraram numa igreja mas o padre (que fora professor de moral dele) não estava.
Não era importante no momento. Casaram-se em silêncio junto à pia da água benta e juraram amarem-se para sempre.
Festejaram a lua-de-mel numa obra abandonada, onde improvisaram a sua própria casa.
Havia bolachas, cervejas e chocolates e fizeram amor em cima de duas tábuas.
Um ano depois, conseguiram autorização da mãe dela para saírem juntos quando quisessem.
Nessa tarde ele foi buscá-la a casa para irem ao cinema. No dia seguinte ela telefonou-lhe a dizer que estava tudo acabado.
História triste dirá... a maioria. Para os protagonistas talvez fosse a libertação e a felicidade.

Nunca o saberemos...

A história teve um final feliz, casaram na realidade há mais de vinte anos, numa Igreja com Padre e pia da água benta.
Celebraram a lua-de-mel, num lugar digno da cerimónia. Não fizeram amor em cima de duas tábuas, mas numa cama previamente preparada para as desfeitas dos noivos num apartamento de duas assoalhadas em Queluz. Já não precisam da autorização da mãe dela para sair.
Nem ela já vai para a varanda coberta de sombras e apaixonada a escrever as tais mensagens que lançava para baixo onde ele, como um desesperado, pedia com os olhos que ela o amasse para sempre.
Ele já não apanha os papelinhos que guardava religiosamente no seu livro de poemas, que escondia no seu quarto. Já não precisam beijar a distância de três andares que os separam.
Ultrapassaram o medo do que os outros pudessem pensar, já não se fazem passar por irmãos ou primos, mas sim como marido e mulher mas sem o enlevo de como só eles existissem no mundo.
Já perderam a delícia de se amarem no baloiço do parque, o gozo de brincarem à apanhada junto ao campo de basquete. Já raramente vão ao cinema. No entanto não é de excluir nunca essa probabilidade.
Num dia ela poderá telefonar a dizer que está tudo acabado!
Texto: In "Ano Louco"
Imagem: Google