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sábado, 29 de maio de 2010

Em pólos opostos provoquei o tumulto da escrita e o paradoxo da razão...




Quero olhar o sol azul, para dar algum recorte à sombra do ramo da árvore que me serve de abrigo e uma chama à filigrana dos meus sonhos, algo frios e nus.
Sei que existe um sol azul a meio caminho da angústia tomando a rota do sonho.
Mas, os teus raios andam distante como eu. Ambos escondidos atrás das nuvens do nosso desapontamento.

≈≈≈

Eu sei que sou um solitário.

Escrevo, ouço música, faço música, e medito na melodia da noite.

Gosto de viajar no seio das suas sombras, nos recantos dos seus túneis, e nela vou indo.

Canto hinos ao amor, enquanto o EU, caminha sozinho.

Sim, sou um solitário que companhia procura.

Afago as cordas com gestos perfeitos e beijos de loucura.

Com paz travei guerras, apaziguei um coração

Levantei poeira, destapei feridas escondidas

Esperei a chegada de nuvens grossas,

Como rolos de algodão negro que abafaram toda a respiração.

Tudo isto não é por gosto

Mas sim estar num pólo oposto

No entanto existes

Aí no limite do meu sonho

Onde os gritos do silêncio ecoam.

≈≈≈

Se o grito saísse, se o som alcançasse o longe mais longe, e se a voz me ajudasse a lançar o eco da minha alma, talvez, se soltassem os nós que me atam o peito que arde de paixão, talvez se rasgasse o véu que me tapa os olhos doridos das lágrimas soltas, talvez hoje visse a vida a cores, no ecrã cinzento do meu olhar.
Quero romper as amarras do meu coração. Quero sentir o vento e entregar-me à doçura da brisa, encher meu peito ardente e vazio, libertar o pensamento e meditar ainda em amar.
Quero buscar o amor em cada gesto que faça, em cada sorriso, em cada palavra, em cada olhar. E quem sabe, se um dia irá voltar?
Mas estamos em pólos opostos!

≈≈≈

Todavia, a tentação espreita sedutora à janela dos meus dias.
E o mar revolto chama-me. Vou! Quero abraçá-lo, sentir as águas frias e agitadas que me regam o corpo. Experimentar o sabor a sal que me queima as entranhas.
Finalmente abraço-o e sussurro-lhe que irei amá-lo para sempre.
Mas, não posso, não quero, não devo voltar a amar do mesmo modo.
Fujo e recuso o enlace, o desfecho fatal.
Certamente que tem de haver um mar capaz de adoçar o meu amargo dia, amansar este peito repleto de nostalgia, ouvir o meu pranto silencioso.
Urge encontrá-lo.

Mas estamos em pólos opostos!



Nota: Este texto evoca quatro fases da minha vida.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

A extrema carta


Lembrar é fácil pra quem tem memória, esquecer é difícil pra que tem coração.

(Jonathas Hardy)


Vou-te contar um dia, se para isso tiver audácia e sobretudo oportunidade. Pode não ser neste mundo, mas vou-te contar. Prometo!
Hoje não, porque hoje vou trocar o certo pelo incerto, as promessas por desejos, a emoção pela razão.
Hoje, não quero que o meu pensamento navegue no subterrâneo escuro e pantanoso do abalo.
Não quero ser apenas a miragem de um amor distraído que tropeçou no silêncio da perfeição.
Devia ter dito as palavras todas, como tu, mas sem lhes medir o sabor na língua antes de as morder em raiva.
O amor, tão nobre sentimento, tão grande tesouro, tão grande segredo que nos aperta a garganta, que nos faz sonhar com melhores tempos, com factos que sabemos que não irão acontecer...
Que enorme arma se entrega na mão de quem amamos. De tal forma tão arrojada, que para a disparar basta apenas uma simples palavra, e tão rápido como a luz, somos feridos e ficamos magoados com a pureza e a sensibilidade de uma criança de colo.
Nesta vida, já não espero milagres ou grandes novidades, mas desejava uma vez na vida, poder dizer: "Hoje realizei um sonho..."
E que sonhos são esses? Nada de especial... Apenas um passeio ao lado de quem amo, ouvir o meu nome pronunciado pelos lábios que tanto sonhei... simples não é?
Não, não é simples, é tão complexo como tudo na vida, quem sabe até mais.
Hoje deixo escorregar palavras pequenas e soltas que deixo aqui, sabendo que não serão lidas por ninguém a não ser eu... como tem ocorrido nestes últimos tempos sem qualquer motivo. O único que me ocorre, é que já ninguém têm paciência, para ler e comentar, um sonhador que já não sabe sonhar.
Hoje, só hoje, o teu sorriso é uma carícia fugaz, e a minha vida, uma falsidade em que eu quero acreditar.
Mesmo hoje continuo a ter saudades do nosso tempo, dos nossos momentos, da troca conivente de olhares, dos beijos cegos e húmidos de prazer sem limites, de ti...
Sei bem que se voltássemos a tentar reconstruir o que perdemos que nada voltaria a ser igual.
Irei seguir a minha jornada apesar de continuares esculpida na minha cabeça, talhada no meu coração.
Não sei explicar o temível enigma que nos molesta. Nem vislumbro solução quando repouso os meus olhos no infinito do mar.
Não tenho resposta para o incessante baloiçar de palavras ferozes, no parque do jardim dos nossos corações.
Não quero ser um obstáculo, uma escura ardósia que te tapa a felicidade.
Não pretendo ser o vulcão irado que cospe cinza que te envolve e te inibe de voar.
Para isso tenho de evaporar como uma poça de água estagnada ao sol quente e agreste.
Mas, antes de desaparecer de ti, de mim... Senta-te aqui. Encosta-te a mim e fala-me de ti!
Agora as palavras não faladas enchem-me os ouvidos, e eu calo-as num cântico bem alto, para lhes espantar o poder maléfico e as lágrimas entristecidas.

Deus queira que hoje a voz não me falhe!

25-05-2010


segunda-feira, 24 de maio de 2010

Beto


O cantor português Beto morreu, este domingo, em Torres Vedras, vítima de acidente vascular cerebral. Contava 43 anos.
Natural de Peniche, Beto era habitual presença em programas televisivos, sendo muito reconhecido pelos duetos protagonizados com Rita Guerra.
Antes, destacou-se a actuar no bar Xafarix, em Lisboa, liderando os Tanimaria. Em 1998 representou Portugal no Festival da OTI, na Costa Rica, alcançado a terceira posição final com o tema «Quem Espera (Desespera)».
O primeiro álbum a solo só foi editado em 2003, sob o título «Olhar em Frente», que chegou a ser disco de platina, tal como aconteceu com o seu sucessor «Influências», em 2005. Lançou ainda mais dois álbuns e no ano passado saiu no mercado «O Melhor de Beto»
 
A Bola
 
 
Nunca fui particularmente apreciador da sua música, no entando quero homenager mais um homem jovem que nos deixa  vitima do terrível AVC.

Mesmo não sendo um apreciador, hoje, esta canção diz-me muito...

E nestes momentos a mente nebuliza e vejo a minha vida percorrer-me velozmente como se de uma película de um filme se tratasse e penso:

Para quê tanta hipocrisia?

Para quê tanta inveja?

Para que serve tanta competição?

Para que serve tanta disputa?

Para que nos serve tentar “pisar” os outros?

Para que se apregoa tanto amor, se tudo não passa de uma gigantesca farsa?

E no meio disto tudo onde fica a amizade?

E nós?

Não somos mesmo nada.

Infelizmente sei bem o que significa...

Descansa em paz

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Do Infinito



"O pensamento é a presença do infinito na mente humana."



Emilio Castelar



Ao desfolhar a Colectânea Do Infinito, ao contemplar as várias formas estéticas, a heterogeneidade de ideias, a diversidade de estilos, idades, fechei os olhos por um instante e, ao mesmo tempo que pensei na fortuna de ter sido seleccionado, imaginei que me ia afastando de mim próprio até ao infinito.
Mas será que podemos ir além dos limites da nossa imaginação?
E qual o limite da nossa imaginação?
Ao ler esta colectânea, fiquei com a certeza de que a imaginação não tem términos e é como um universo, em expansão permanente.
Na realidade descobri que ao virar de cada página, era como aflorar uma nova estrela.
E vaguei por tantas que não as contei. Mas, de que me adianta saber quantas estrelas existem no céu se não me conheço a mim mesmo, se não sei quantos sonhos existem na minha alma!
É justamente na raia do real e do imaginário, do finito e do infinito que me encontro. Vejo-me imerso num colapso da razão onde não posso definir o certo do errado.
E nesta imensidão do pensamento, não passo de um sonho do tamanho de um grão de areia.
Poesia, conto, conto poético, ou versos em prosa, de tudo esta colectânea possui.
No seu íntimo encerra 22 autores que viajaram num sonho infinito através da palavra.
Á Minerva e ao Ângelo Rodrigues, um obrigado especial por terem proporcionado o trilho certo para esta aventura sem limites.
A si, que me lê quero apenas dizer, que este livro não se encontra à venda e que apenas pode ser adquirido aos autores, dado ser uma edição limitada.
A todos os restantes participantes, o meu agradecimento.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Tristão, Romeu ou Pierrot?



Enquanto os quilómetros vão passando pela paisagem, olho o horizonte limpo na manhã por estrear. Uma mescla de cores em azul e rosa alaranjado dizem que em breve o sol vai aparecer.
Paira um silêncio branco, belo, um mutismo puro pendurado nas copas das árvores recortadas como num quadro em tons pastel.
Sigo viagem para o meu destino, incógnito.
As minhas horas formam uma cadeia quase sem surpresas, repleta de actos, de obrigações, de alegrias e tristezas de uma existência trivial.
O enfado de uma vida… uma jornada sem destino.
A mística manhã provoca-me sempre um transe de tal forma que deixo a pele do meu corpo no assento da serpente metálica, e o restante levita numa viagem que nunca sei se terá regressão.
Amor, porque não me colocas uma máscara? Pode ser a que tu quiseres que eu traje. Enlaça o teu braço no meu e conduz-me ao salão de dança, porque hoje é dia de viver a fantasia.
Diz que é o fim, e logo a máscara terá que cair. Sempre que te olho, vivo a fantasia, a realidade sonhada dos meus dias.
Permite-me ser, o botão da tua blusa aberto pela mão que ousa fazer engrandecer as pétalas da direcção do teu despir.
Percorro os meus medos em espiral num poço sem luz, como se reconhecê-los fosse meio caminho andado para os enfrentar. Lá, bem no fundo desse poço, existe um corredor comprido de paredes amareladas e portas, muitas portas de um lado e doutro. Encostados à parede, bancos onde se sentam apenas olhares. Pressinto súplica, desespero, esperança. E dor.
Quase palpável é a acusação daqueles olhos que seguem os meus movimentos.
Passo por esses olhares, com vergonha e culpa. Sem encontrar também eu a explicação.
Ali, no corredor escondido no fundo dos meus medos, enfrento as minhas orgulhosas certezas, as minhas arrogâncias, e sinto que não valem nada.
Aqueles olhares também já reflectiram certezas, vaidades, arrogâncias. Também já brilharam de esperança, de amor.
Uns olhos, diferentes atiçaram-me a atenção. Com o medo a escorrega-me na face encostei-me à parede do corredor das minhas ilusões.
Aqueles olhos falavam. Inerte e prisioneiro de um simples olhar, ali permaneci num absorto silêncio.
Como aqueles olhos eram diferentes. E como se faziam ouvir no íntimo e completo mutismo da minha mente.
Da bandeja daqueles olhos caiu o copo, que derramou o tempero em meu corpo. O condimento para me despertar a sede de amar. Atira-me esses olhos e desfaz em mim o sal do teu olhar. Troca as cinzas que me habitam, pela almejada timidez do teu verde de sabor ao sal do mar encrespado.
A tua canícula de paixão e o sal ardente e inquieto do teu mar queimaram-me de sede!
Mas, se eu já não sou, e tu já não és, que sobra desses olhos franzidos que me olham como se eu fosse um nume sem poderes.
Eu nem existo mais! Apenas me resta a recordação da tua frescura, o sabor do teu suor, as grilhetas do nosso toque e o tremor do teu corpo.
Atira-me de novo os teus olhos contra os meus, faz-me daltónico dessa sede e diz-me quem sou.
Um Arlequim à busca da sua Columbina? Um príncipe escantado tentando encontrar a princesa adormecida? Ou o arquétipo de qualquer romance como Tristão e Isolda ou Romeu e Julieta?
Não!

Serei para sempre, apenas um simples, triste e sonhador “pierrot”, que vagueia numa encenação improvisada de uma Commedia dell’arte, deixando-se levar ao sabor da inspiração do momento.

sábado, 8 de maio de 2010

De que cor são as papoilas?


“A última das ilusões é crer que as perdemos todas”

Maurice Chapelan


Passo mesmo alheado do mundo restante, da luz e da sombra, do branco e do negro, do ódio e do amor, do sol e da lua, do orgulho e do preconceito, da natividade e da extinção.
Acordo, percorro a manhã, desde o descolar dos olhos até ao sentimento de realmente acordar que vem com os rituais do primeiro café. Até lá, só o prazer de sentir a água a percorrer-me o corpo, que me fazem soltar da pele e do espírito todos os pecados dos sonhos da noite.
Com movimentos bem decorados, solto o cigarro dos dedos e salto para o comboio. Acomodo-me num banco junto da janela e começo a sentir palavras a esvoaçar por todo o lado.
Algumas param por segundos na minha mente ainda entorpecida.
Palavras que não se fixam, impressões de um momento que, no momento seguinte, fugiram. Depois são palavras da monotonia do ritual monocórdico do dia. É no final do dia, que acordo todas as interrogações, que dos dedos saem palavras que precisam ser escritas, frases vindas de improváveis recordações, uma espécie de carga em bruto que luta para tomar forma.
Espero por elas, de mãos cruzadas sobre o colo da utopia.
Hoje irei percorrer alguns caminhos de terra batida, ou seja vou andar por aí, deixar a caneta borrar a folha branca sem preocupação de a engravidar mesmo sabendo os riscos serão imensos. Riscos calculados e de um vítreo azul.
Largo a estrada lisa, torneada, de traços bem delineados sem qualquer preocupação da forma erudita da escrita.
Hoje… Acordei assim. Estou-me nas tintas para tudo o que me põem à frente como sendo uma triste realidade.
Pessoas “amigas de verdade” deixaram de me falar, sem razão para o fazerem. Porque se essa razão existe, digam-ma.
Que me importa! Fiquem com Deus.
A economia está péssima e estamos na cauda da Europa, quero lá saber! A Grécia está bem pior.
Morremos que nem tordos sempre que existe um fim-de-semana prolongado? É chato, mas que posso eu fazer? Nada!
A corrupção alastra e parece que os tribunais têm tendência a fazer vista grossa. E daí? Existem por ai oftalmologistas suficientes.
Que os reformados vivem na miséria… Concordo, e os outros?
Por falar em reforma, estou a ver que, quando me reformar, vou ter para aí metade do ónus que esperava, mas que seja tudo por uma boa causa.
Isto se me deixarem reformar e não decidirem que terei que trabalhar até morrer. Afinal porque não?
Já viram, hoje estou-me mesmo nas tintas. Enfim, vêm aí meses exaltantes, vamos lá todos abanar o capacete para o Rock in Rio Tejo e alguém tem dúvidas de que a selecção vai fazer um excelente Mundial?
Que me deixem de comentar o meu blog, como tem acontecido? Que importa? Comenta quem quiser e gostar…
Na realidade não quero pensar nisso!
Quero apenas ser superficial… vulgar e apenas e só pensar em nada.
E digam-me, de que cores são as papoilas? Vermelhas? Encarnadas? Respostas prosaicas… As papoilas são cor do sangue que me corre nas veias. Bom, esta já é uma resposta poética. Mas que diferença faz? Nenhuma. É apenas e só uma designação. Tal como a dor, a sensibilidade, o ser, o sentir.
Façamos um enorme silêncio sobre a vida real, deixemos as palavras dizer do mundo inventado onde, ao de leve, só ao de leve, pairam os nossos sentimentos.
Recorramos a todas as figuras de estilo. Sublimemos. Será para isto que servem as palavras? Não para mim, não hoje, sobretudo.
Mas nem sei como vim parar aqui a esta reflexão, porque hoje eu só queria saber de que cores são realmente as papoilas. Aquelas papoilas que existem nos campos e se sentem nas mãos quando as colhemos.
Tudo se dilui rapidamente na consciência dos sentidos feridos pela agressão dos sons e cores da rotina matinal.
Corremos que nem loucos. Vivemos tentando vencer a corrida do tempo. Não temos espaço para pensar, para olhar, para sorrir, nem para amar.
Passava por ali todos os dias. Sempre a pressa, sempre desejoso de chegar aos muitos destinos dos compromissos do dia.
Envolvido em tantas preocupações, não podia parar para pensar, muito menos para olhar a vida à minha volta.
Nunca tinha dado por aquela rua, nem por aquela casa. Sabia vagamente que aquele era o meu caminho habitual, quase aprendido de cor.
Uma sensação de estranheza invadiu-me. Questionei-me se não me teria enganado. Ninguém por perto.
A rua estava deserta e a casa parecia desabitada, em ruínas. Naquela zona? Senti uma sensação estranha que me obrigou a parar. Sem saber porquê, pressenti que o normal fluxo da minha vida tinha sido interrompido. A minha vida… a mulher cansada de esperanças frustradas, o filho cresceu sem eu dar por isso. Afectos, alguns, em que nunca me empenhei em demasia. Mas porque estaria a pensar tudo isto? Porque não conseguia eu desviar o olhar da casa em ruínas? Não sabia, não me sentia sequer. A casa convocava-me. Estranhamente, entendi que não valia a pena preocupar-me com o atraso. Julgo que tenho andado atrasado em toda a minha vida. Avancei e bati fortemente com a mão na madeira que me chamava.
Então, escutei uma voz que orava em surdina… “não olhes, vê, contempla, mesmo que te ardam os olhos. Não toques, sente, mesmo que não sintas o corpo. Não fales, diz, mesmo que a alma pingue sangue… e quero dizer-te um segredo que guardo nas dobras da alma, se soubesse as coordenadas certas do teu rasto, a pista correcta para a ti chegar… Queria trazer-te para mim…”
Com passos indecisos quis caminhar na margem do nevoeiro, na neblina da manhã, mas com receio no mundo dos sonhos.
Penso na minha vida que se dispersa como a bruma com o crescer do dia.
Que atalho tomar?
Assim, fico inerte no seio da manhã, esperando pelo sol na esperança que me mostre o caminho.
Que caminho?
Eu simplesmente queria saber a cor das papoilas.

domingo, 2 de maio de 2010

1977


O ano de 1977 estava quase a findar. Laureava leve e sorrateiramente pelo mês de um Setembro bem quente.
Existiam dias, em que a noite não nos deixava respirar. Dezoito anos de idade… sim, mas já não voltam.
Vivíamos a loucura do som e da imagem psicadélica. As bandas eram tantas e de enorme qualidade que nunca estávamos de acordo.
O “ZéTó” espreitou para dentro do café do Xavier e com os olhos a brilhar, balbuciou:
- Pessoal, o Jorge convidou para aparecermos depois do jantar.
- Vais? Perguntei.
- Claro! Que achas?
- Inté!
Dança, palavra rodopiante, que nos percorre todo o corpo.
Dançar. Seguir a música que se insinua. Deixar o corpo encontrar a magia dos passos certos, ritmados… Quem sabe, sonhar.
Eu gosto de dançar. Sempre gostei, desde que me lembro. Não exactamente aquelas dançam aclamadas, como a valsa, o tango, e outras que tais. Essas são a beleza perfeita quando dançadas por quem sabe. São o encanto para os olhos quando o par remoinha enlaçado num qualquer salão.
Jantei apressadamente. Engoli uma perna de galinha, porque cada mastigada, era menos um minuto na garagem do Jorge.
Cheguei, e ela estava encostada à parede. Por cima da sua cabeça, uma estreita janela, convidava o luar a iluminar-lhe o rosto, a clarear-lhe o cabelo. Permanece uma réstia de luar pendurada nas paredes. Talvez reflexos do vestido que ninguém veste bordado da luz sobrante do último estio, ou do suor acre e perfumado de quem o usou.
Não era bonita. Mas sempre que estava junto dela, não sei descrever o que sentia.
Ainda hoje consigo respirar o odor do seu perfume.
- Dança comigo! Implorei, enquanto os nossos olhos trocavam carícias, que sussurravam na transparência da alma.
- Enlaça-me… Dança-(me)… Disse sorrindo e sem temor nos olhos cor de mar.
No caminho da musica Fearless dos Pink Floyd, senti que ora fluía, ora deslizava, como um véu feliz, afagado por uma brisa suave. Os nossos corpos progrediam, expressavam-se, encontravam a forma certa de dizer o que sentiam.
- Agora leva-me! Sentes a proximidade? O meu corpo unido ao teu neste leve movimento…
Sentia as linhas do seu corpo leve e esbelto.
O meu olhar era atraído para a enseada daqueles seios. O rubro do sangue inundou-me o rosto. As minhas mãos tocaram o abrigo das coxas que imploravam tremores de desejo.
O que o som nos faz sentir ou o que sentimos sem qualquer som, entre os gemidos e o fulgor do silêncio. E por vezes a dança já não é só dança, é amor feito ao som dolente de um simples sustenido.
Com a imagem serena, leve e mais nua que me recordo, pego na minha viola.
Esgadanhei as cordas num acorde de saudade, mas descobri que os meus dedos já não desfrutam da agilidade de 1977.

Nesta vertigem do declive do pensamento, na exaltação plana da realidade, percebemos que nem mesmo a morte dissolve um grande amor, porque quando se ama, esse sentimento é eterno.