Performancing Metrics

BLOGGER TEMPLATES AND TWITTER BACKGROUNDS »

domingo, 31 de janeiro de 2010

Olá, Sebastião!


Hoje, uma senhora sensivelmente da minha idade, tocou-me levemente nas costas, sorriu-me com um daqueles sorrisos que nos penetram até aos ossos e pegou-me na mão direita, e disse-me: Olá, Sebastião à quanto tempo…
Eu um pouco atabalhoadamente disse que não era o Sebastião, mas ela pegou na minha outra mão puxou-me para si, deu-me um beijo e ao ouvido disse-me: Sempre o mesmo Sebastião… Olha a propósito por onde tens andado?
Encolhi os ombros meio embaçado e fiz o sorriso mais macilento que alguma vez fiz na vida.

Juro que nunca vi a senhora na minha vida.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Coração furtivo (Ou um amor quase perfeito)



Na vingança e no amor a mulher é mais bárbara do que o homem.

Friedrich Nietzsche



A chuva caiu lenta no telhado da minha incerteza. As gotas grossas com o teu imago escorriam pelas paredes, pelas janelas e caíam sem compaixão, no negro xisto que calçava o passeio.
O íngreme da álea fazia com que rolassem deixando um gemido na calçada negra e um rasto ensopado de mágoa. A tua voz estalava nas pedras e eu impotente ouvia.
O silêncio silencia-me, sinto-me a mergulhar no mutismo, não vou derramar uma lágrima, elas que se derramem por si.
A sequela arrasou-me a mente de tristeza, inconformismo e muita dor.
Deixei de acreditar, deixei de confiar, deixei de sentir. Quero fugir, flamejar-me, vingar-me.
Não me reconheço. Dou por mim a saltear e a tentar tocar o vento com a ponta dos dedos.
Talvez eu tenha enlouquecido!
Ajo por ímpetos. Não penso. Quero de facto desaparecer.
Como débil mental dei por mim numa abadia com telhado de zinco a rezar o meu infortúnio acompanhado pelo choro de alguns anjos perdidos como eu.
Talvez eu esteja mesmo louco!
Irei procurar um cavalo alado e aparelhado em seu dorso irei tentar riscar o céu usando como picador as vozes que me perseguem.
Quero desbravar nuvens de algodão para que a paz invada o meu coração. Coberto pelas tuas asas e corpo alazão, leva-me cavalo, para outro lugar, não me deixes ficar, por favor, leva-me para onde habita o amor, onde a paixão não possa ser volvida como a página de um livro.
Agora só me resta tratar do jardim do meu coração. Jamais lhe quero plantar dores e lágrimas da minha mágoa.
Estou cansado, ele exausto e quebrado em duas partes geometricamente iguais. Uma porção deixou de me pertencer.
Julgo que poderei passar os derradeiros dias da minha existência com a metade que me resta.
Irei plantar-lhe um canteiro repleto de flores coloridas, viçosas e com o odor da realidade.
A partir de agora terei de conviver com a ambivalência da minha alma, com a incoerência dos meus actos, com a fatalidade do nu e abatido destino, com a conspiração do desejo encarcerado no meu corpo em catarse.
A ti, um dia que percebas a minha imperfeição, a tua mácula, e sim, estejas na realidade infeliz, não invadas o meu jardim da forma que o fizeste.
Não esqueças que, agora, apenas possuo uma parte de mim.
Colhe no campo da modéstia uma flor colorida e pinta-a com o tom da certeza, da harmonia.
Dizem não haver amores impossíveis?
Ontem, como nunca, precisava da tua presença, de ouvir a tua voz.
Mesmo sem sorrisos nos lábios, e olhar tristonho seria importante. Mas, o orgulho, o comodismo e obstinação venceram o amor apregoado nos teus quatro cantos do mundo.
Não vieste, não venhas mais!
Quem sabe, se o amor impossível é na realidade o amor verdadeiro e que por ser irrealizável é que o torna tão belo!

2010-01-28

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Poema Inacabado




Mesmo quando estás ausente sinto os teus olhos em mim.

Não é um simples olhar.

É um diálogo de amor.

Fazes a leitura silenciosa do meu coração.

Desvendas os segredos que guardo no fundo da alma.

Será isto o amor?

O habitares em mim?

O invadir do meu ser?

Diz-me, sem rodeios.

É amor?

Atada em mim, a tua energia agiganta-me de prazer infindo.

Fiz-te desvendar caminhos que tu própria desconhecias.

Com a meiguice de quem se ama, aticei as tuas mãos a percorrer trilhos que te levaram à saciedade suprema.

Continua a ser amor?

Lembro-me como derramámos sentimentos fascinantes sobre o lençol do céu estrelado.

Se é amor, porque não morro nessa hora?

Assim, poderia ressuscitar e quem sabe te encontraria novamente?

É amor o que sinto?

Foi paixão que perdi?

Sim, podes partir… já não me pertences.

Olvidaste o essencial.

Onde estou eu?

Onde estás tu?

Que é feito de nós?

Será que ambicionaste mais do que te pude oferecer?

É o castigo por um poema não terminado, uma punição por te ter amado?

Foi amor?

Podes partir, agora nada me importa.

Resta-me a alma que chora.

Um amor verdadeiro, sempre avigora.

Fico perdido, sei que não me vou encontrar.

A solidão do passado vai ser presente.

Irá anoitecer em mim um anseio tão forte que até a voz rouca da noite irá emudecer.

Irei incessantemente percorrer os caminhos que me levem ao teu leito cálido, ao teu colo morno.

Foi amor?

É amor?

Diz-me por favor!

Podes partir, agora nada me importa.

Ou permanecer entranhada em mim para sempre.

Ficas?

É amor?

Foi Amor?

Será sempre amor?

Podes ficar, agora nada me importa.

25-01-2010

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Desejo



Devia deixar de fumar, mas no entanto...
Traguei a noite ao mesmo ritmo que ia deitando abaixo a lata de Coca-Cola que agora serve de cinzeiro.
A roupa está disposta pelo quarto ao abandono do meu corpo e do de Paula.
Esta dorme a meu lado e a certa altura da noite, penso que a respiração dela me faz lembrar suaves murmúrios de anjos… (melhor: colas na tua mente o pulsar ritmado que sai pelas suas narinas à tua ideia de anjos repousando sobre uma nuvem, qual nenúfar, no céu).
Mas, logo concluí que isso era efeito do sono que surgia quase à mesma velocidade que queimava os cigarros contra os pulmões.
Paula tem o cabelo encaracolado e o rosto está disposto sobre a brancura da almofada.
Os seios cheios, fartos mesmo, escondem-se na camisola que não alberga o tamanho dos mesmos e não há palavras, por mais poéticas que sejam, que encubram os pensamentos que por momentos me ocorrem.
Acordado, agora medito sobre o inevitável breve final do mundo. Imagino já o estrondo que ecoará na minha cabeça e fumo.
Fumo muito e sempre. Fumo no carro, fumo quando chego a casa, antes da refeição, durante e depois. Fumo na casa de banho. Fumo enquanto faço amor.
Paula nunca aguentou o cheiro do fumo. Sei, mas insisto em tirar mais um cigarro do maço e em acendê-lo. Paula dorme.
Levanto-me e agarrando na lata de Coca-Cola que agora serve de cinzeiro, acerco-me da janela. Da janela vejo o mar. Enquanto observo os miúdos que desafiam as ondas a rebentar sobre a areia, Paula acorda.
Disse, bom dia, caminhou na direcção da porta e entre o caminho da cama e da casa de banho ainda tem tempo de completar, acaba com a merda do fumo, que estás a empestar o quarto.
Paula demora-se na casa de banho; oiço o som da urina projectar-se na água da sanita.
Puxa o autoclismo, o papel higiénico rola por duas vezes, a torneira abre-se, a água jorra contra o azulejo, a torneira fecha-se.
Paula descoberta ao mundo, atravessa a porta da casa de banho que dá acesso ao quarto e diz:
- Já nem te barbeias.
Eu faço-me de mudo. Continuo a fumar junto à janela e Paula diz:
- Veste pelo menos a camisola, está muito frio.
Mas eu devolvo a ordem com a pergunta:
- Quando foi que tudo aconteceu?
- Quê? Pergunta ela.
- Quando foi que tudo aconteceu, repito, tudo isto?
- Tudo, mas tudo, o quê?
- Isto de estarmos aqui, mas não estarmos: tu seres uma chata, e eu já não aguentar nada disto; respondo de uma maneira seca.
Paula diz que não sabe, mas adianta que talvez tudo tenha acontecido na altura em que me deixou que lhe tocasse a intimidade com os dedos com cheiro a cerveja e decidiu deixar aquele ex-marido banana para fugir comigo, só porque eu tinha um tom de voz que fazia lembrar o António Banderas e lhe prometera comprar uma ilha algures no Mediterrâneo só para os dois.

Ela diz que foi isso, que foi isso… que aconteceu.


In: Ano Louco

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A Luz da loucura




A estrela que brilhava nos meus olhos extinguiu-se.

Perdi-me de mim nos meus devaneios.

Pendurei o trilho que me falta percorrer no cabide da entrada.

Tudo se desfez à minha volta.

Apenas sigo as minhas ilusões e delírios.

Tenho medo que tudo volte.

Os pesadelos no meu coração.

A inquietude da minha alma.

Porque te apagaste luz do meu amor?

Não te quero ver apagada.

Retorna a tua luz.

Volta a ser o que eras, volta a guiar a minha existência.

A minha estrela apagou-se.

Sem a tua cor apenas me posso despir de sentimentos.

Desnudar a alma com a minha voz vacilante e trémula.

Deixar deslizar o olhar cerúleo e aguado pelo corpo deixando-o descansar no chão como quem se deita num tempo inerte e sombrio.

Assim no escuro perco-me na noite da minha ira.

Lá fora, a agitação do vento forte ralha com o céu que ribomba agoniado de dor por me ver tão só.

Envolveste-me nas trevas do desespero e da loucura.

Apenas me resta na memória, o odor dos lençóis quentes que adornaram os corpos em êxtase.

Volta para o céu da minha vida.

Não me deixes morrer.

Quero estar contigo, não quero enlouquecer.



Mas, para lá caminho!




2010-01-14

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Amor impossível

Vivo numa vida que não me cobiça viver. Tu dizes ter medo do meu desaparecimento. Eu vivo obcecado sob ele.
Deste-me a maior felicidade que poderia esperar. Tu foste sob todos os aspectos, tudo o que alguém pode ser.
Enquanto nos abraçávamos, existíamos antes, durante, e depois do futuro.
Vivíamos num limbo tão nosso que compusemos uma nova linguagem: os nossos olhos.
Antes de te conhecer apenas me serviam para olhar.
Hoje, tudo o que digo com os olhos é o que ontem concebia com a mente. Penso e falo com os olhos. O desconcerto, a pena, o cansaço, o desamor.
Os olhos sublinham tudo o que nos acontece. São os olhos a nossa nova linguagem e falam por mim e por ti, e foi com os meus olhos, que te contei a minha história, que te narrei o meu amor.
Não creio que duas pessoas possam alguma vez ter sido mais felizes do que nós fomos num finito espaço de tempo.
Mas cai o negro da noite devagar. Anoitece sobre os nossos ombros. Escurece onde não estou e em redor do meu corpo. Enluta por dentro dos objectos que evocam a tua presença. A penumbra invade o meu corpo, corrói tudo o que é sólido.
Antes, a solidão vergava-me, mas com o passar do tempo povoei-a com sorrisos, pequenos gestos que aderem à memória e me dizem que existo, que continuo vivo onde pressinto o coração a arder.
Há quem abomine o silêncio. Eu gosto. Sinto-me acompanhado pela minha irrequieta consciência em rebuliço.
No silêncio há respostas do inconsciente. Cheiramos de perto o odor afrodisíaco da beleza da conciliação.
Apetece-me dissolver discretamente no nada em que me transformei. Fechar os olhos e desaparecer docemente, sem mover um único músculo, como se nunca tivesse existido.
Imagino as voltas da minha vida, as promessas perpétuas que nunca se cumprem. Penso nas relações que se juram sólidas e ao mudar a folha do calendário expiram. Flutuam as emoções que vão mudando como um barco à vela ao sabor do vento. Houve um tempo em que sabia que a minha vida ia ser especial, distinta. Ideais, valores superiores, razões para lutar. Mas a visão turvou com a presença de lágrimas que nos foram impostas.
Passámos a viver mundos discrepantes. O teu universo passou a ser distinto do meu.
Hoje vejo-me de novo prisioneiro da monotonia, na cor cinza, na existência com uma única razão, a de lutar por mim mesmo sem grande firmeza.
Sei que estou a arruinar a tua vida e que sem mim poderias viver a verdade plena. Irás vivê-la. Eu sei que sim.
Como vês, nem os textos que escrevo no momento fazem sentido.
O que te quero dizer é que te devo, a ti, toda a felicidade que tive na vida, foste para comigo duma paciência infinita. Não vou continuar a arruinar mais a tua vida.
Apetece-me cerrar a boca de medo e gritar com força a raiva que me arranha a carne, que me dilacera o coração.
Mas agora sei que amar, dói. Que o amor é uma palavra que por vezes nos destrói. Que existem amores impossíveis. Que afinal não basta amar loucamente.
Apetece-me arrancar os braços que um dia te abraçaram, como se fosse sempre, sempre, a última vez.
Apetece-me morder as mãos, até espicharem. Sim, aquelas mesmo que um dia te mediram o corpo e tomaram a altura do teu peito. Apetece-me atirá-las à parede até que se desfaçam em sangue.
Apeteces-me. Ainda.
É o tesouro que se atinge quando se aprendeu a estar solitário, tem-se tudo e não se desfruta nada. O que restava da memória foi partilhado ou foi abandonado para sempre. Tudo está constantemente presente e vibra sob a luminosidade imperceptível de ser eterno na fracção de segundos.
Se morresse agora não deixava nada, porque bebi toda a minha sede, esvaziei-me, devorei noites do amargo que têm as coisas antes de nos pertencerem.
Teu corpo, por exemplo custou-me tanto inventar-lhe formas consistentes, um reflexo, uma sombra que se lhe adaptasse e o acompanhasse. Apenas percebi que o não tinha inventado da primeira vez que te vi.
Teu corpo coabita hoje dentro de qualquer espelho onde o meu se consumiu.~


A solidão não é uma opção, mas uma carência que surge das profundezas do nosso ser.
Quando tudo abandonas, quando foges de ti próprio, aos poucos, os outros também te abandonam e, assim, vais ficando, preso ao chão com um inerte espantalho carcomido pelos bicos pontiagudos do desespero.





2010-01-11

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Um blogue de sonho



Eu sei que sou preguiçoso para esta questão dos selos… a sério. Todavia hoje deu-me para isto… que querem?
Então criei este selo especialmente para não ser testa de ferro.
As regras que o acompanham são as seguintes:

1. Publicar a imagem do selo, as regras e colocar o link de quem passou .


2. Enumerar 1 sonho que ainda espera alcançar, e confidenciá-lo aqui http://sonhoemmim.blogspot.com/ ( neste post em forma de comentário)
A ideia é partilhar esse sonho de forma criativa para que possa reunir todos e apurar o sonho vencedor.


3. Passe a 5 blogues que considere blogues de sonho e avisá-los do prémio mencionando as regras, não esquecendo que devem partilhar o sonho aqui neste post como comentário, porque no final quem sabe se haverá alguma surpresa, para o sonho mais surrealista, ou surpreendente!


Os blogues que considero de sonho são muitos, mas para não ser eu próprio a corromper as regras, nomeio:

http://animalucemia.blogspot.com/

http://susanaisabelguerreiro.blogspot.com/

http://milhita-milhita.blogspot.com/

http://versoslivres-rosy.blogspot.com/

http://terradencanto.blogspot.com/

O prémio para o sonho vencedor será divulgado oportunamente...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O coração de uma mulher é como o sangue das palavras

O coração de uma mulher é como a palavra, um segredo sem silêncio, a experiência das possibilidades infinitas, a ponte entre universos paralelos, o nó entre o primor e a amabilidade.
O coração de uma mulher é como a palavra, um mito sagrado em eternidade e no tempo. Um pulsar de vida sem preço. Um ritmo veloz, vibrante que me acaricia os ouvidos quando descanso no seu peito.
O coração de uma mulher é como uma mariposa colorida de palavras em desmedida alegria, compondo orações ou é simplesmente uma refrescante gota de orvalho acariciando a minha árida existência.
E sempre que o vento sopra e traz agitação cria um ambiente de maravilha e de onírico que nimba o meu corpo. O ar envolve-me, acaricia-me, despenteia-me, mas traz-me palavras, porque palavra trá-las o vento.
E, de rajada deixo-as vir. Aliás, imploro por elas, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia…
Para mim, nas palavras o sangue corre-lhes na sua essência, no seu significado.
- Venham palavras, invadam-me, possuam-me, torturem-me, com as vossas vogais consoantes e ditongos.
O desejo de as ter na palma da mão tatuadas em tinta eterna, olhar fixamente para elas, minhas, só minhas como o apóstrofo da minh’alma.
Escrever, escrever, escrever até a mão doer, o cérebro sofrer, o coração padecer, fechar e abrir os ossos dos dedos espalhando-as como pó mágico, comê-las, devorá-las, inalá-las, tocá-las, penetrá-las como a uma amásia prenhe de esperança, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia.
- Venham palavras, venham! Não me abandonem ao estéril destino sem fantasia, não me desabriguem do meu covil, não me deixem o coração feito num saltimbanco intemporal, tal peregrino de praia em praia, deixando o seu sémen florescendo em mulheres nunca dantes navegadas.
Olho as minhas gastas sebentas de rascunhos rabiscados. As sebentas despojadas de cor debaixo do leito cheias delas, a ansiar por mais, como vorazes de sílabas, a quererem desmembrá-las, cortá-las, moldá-las a meu total gosto, acrescentar neologismos, sons, virgulas, pontos, exclamações e interrogações.
Desejo ser o compositor de palavras, o escultor de metáforas, o poeta de antíteses, o pintor de ditério. Ser tudo e de todas as maneiras, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia.
- Venham palavras, por favor! Venham… Rasgando, trespassando, cavando, dilacerando a resma de papel níveo em cima da mesa, não deixar um espaço imaculado, sinónimos, antónimos, tudo; verbos de amor, advérbios de hoje, substantivos de mim, adjectivos possessivos que sou vosso.
Deleito-me ao cravar no marfim da folha a vossa marca de sangue, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia…
- Venham até mim palavras! Abracem-me com sofreguidão, repletas da pujança. Alinhem em perfeita harmonia e formem a oração do meu ser, a frase do meu sentir.
Como um doido no escuro a vociferar impropérios, o meu punho inflamado e empolado de tanto rodar, os dedos tortos, os óculos baços, as canetas roídas e gastas amontoadas, o quarto sem luz e no entanto escrevo, escrevo segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia…
Na ausência de papel escrevo no corpo. Braços, pernas, tronco, cabeça, o meu corpo polissilábico, pleno de azul e eu sabendo, nos momentos em que começo a fraquejar, que a luta apenas está a principiar, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia…
Por vezes, deslizam-me algumas frases dos meus olhos, abertas e sós nas minhas mãos em gadanha.
Mesmo que chore nem o meu pranto as podem agregar, nem o sentimento as pode soletrar. Engendro por vezes frases soltas nos lábios de poetas, reinvento poesia nos lábios de quem os sabe cantar. E todos os versos concebidos irei escrevê-los com tinta cristalina para que não se possa ler a ardor das letras escritas com o coração que pulsa e sonha.
A alma, essa, continua sempre, mas sempre a escrever nem que seja em silêncio.


BOM ANO de 2010