Performancing Metrics

BLOGGER TEMPLATES AND TWITTER BACKGROUNDS »

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Em busca do tempo perdido #2


Um dia, fintou a rotina e saiu de casa por volta do meio-dia. Os olhos cobertos por uns Ray Ban comprados numa banca aciganada para os lados de Sintra desempenhavam o seu papel, mal e porcamente. É que aqueles olhos, apenas estavam habituados ao brilho da lua.
Apanhou um autocarro que o vomitou no Rossio. Há muito que não admirava aquela praça com a luz do sol.
Subiu o Carmo e quedou-se junto a uma livraria. Entrou e folheou alguns exemplares que se encontravam nos escaparates.
Constatou que estava mesmo desactualizado. Aqueles livros e autores nada lhe diziam.
Que pobreza, nem “Os Miseráveis de Victor Hugo” encontrava por ali.
Continuou a olhar os exemplares escarrapachados na montra. Vislumbrou alguns dos volumes de “Em busca do tempo perdido de Marcel Proust”. “Algo de jeito…” ruminou ele entre dentes.
Já um pouco fastidioso dirigia-se para a saída, quando reparou na capa de um livro. Parou, retirou os óculos de sol, folheou o volume várias vezes num ritual já memorizado, notava-se pela forma descontraída e metódica com que o fazia, e junto à caixa disse: “Levo este!”
Saiu da livraria e apanhou um autocarro da Carris. Sentou-se num dos bancos livres na traseira e sem dar atenção a quer que fosse, começou por folhear de novo o livro com tal empenho que dava a impressão que procurava algo no miolo daquelas páginas.
Abstracto, não notou que ao seu lado, uma jovem se sentara bem juntinho a ele. Era uma rapariga mais nova, bonita, com uma franja a cobrir-lhe os olhos esverdeados e no conjunto sobressaía a saia curta que deixava escapar umas coxas bem torneadas e cobertas por umas meias às riscas vermelhas. Era para o baixo e um pouco estranha na forma de vestir. As roupas um pouco extravagantes não impediam, mas tentavam disfarçar, uma beleza também ela singular.
Um aroma a sândalo invadiu as narinas que terminavam o longo nariz do rapaz.
Olhou para o lado, sempre coberto pelos óculos de sol, que lhe montavam o nariz e lhe cobria as lágrimas dos olhos pouco habituados aos raios solares.
Ambos permaneceram em sepulcral silêncio até que Pencas, atrapalhado, lançou um valente espirro que ecoou e percorreu todo o autocarro.
Ainda com o rosto e o nariz ruborizados, o jovem lançou um olhar acanhado para o lado e esboçou um sorriso.
Atravessou os esverdeados olhos da jovem e ficou ainda mais nacarado. Recebeu na volta do correio, um sorriso esbelto como a silhueta coberta pelas roupas estroinas da rapariga.
Então reparou que ela estava a ler o mesmo livro que ele colocara de novo debaixo do braço, enquanto tirava um lenço e o passava pelas largas narinas. A mesma encadernação, cor e letra, não lhe provocavam incertezas… “The notebook de Nicholas Sparks”, era o livro que ambos traziam. Não tinha justificação por ter adquirido um livro recente. O jovem não morria de amores por estes autores da actualidade.
Os dois entreolharam-se e sentiram que aquela não era certamente a época deles, nem o livro que ambos traziam fazia parte deles. Sabiam. Sabiam que ambos viajavam no tempo cavalgando folhas amarelecidas de livros clássicos. Ele sentia-se um alfaraz em tempo de guerra.
Talvez nunca encontrassem o tempo e lugar ideais, mas as jornadas valiam sempre a pena.
A menina das meias às riscas prolongou o sorriso mais do que o habitual e o rapaz do segundo direito deixou-se afundar na água quente dos olhos verdes e interessados.
Ela levantou-se, ele deu-lhe um papel com uma morada: número dez, segundo direito, estrada de Benfica.
(continua)
Texto:JC
Imagem:Google

0 comentários: