Desta forma o sonho tornou-se realidade.
O abismo que separa o sonho da realidade tinha sido superado. Não havia forma de retroceder.
Estava feito e agora sim, a velocidade em que percorria o carreiro deste ano era já de cruzeiro.
O ritmo iria aumentar subitamente e de forma aterradora.
Entro num café. Sento-me numa mesa.
Dessa mesa que se encontra mais perto da montra, sigo as gotas que serpenteiam, distorcendo o trânsito da hora de ponta.
Ainda não escureceu completamente e sobre Lisboa, uma nuvem escura paira, resultado imaginado do cúmulo de todas as “neuras” dos periurbanos que regressam atravessando o rio.
Apesar de escuro, o céu nublado não suaviza os contornos da praça.
Em vez disso a luz filtrada pelas nuvens pesadas de chumbo destaca cada racha, fissura ou telha musgosa dando aos prédios distribuídos em ferradura um ar tristemente ameaçador.
Pendurado no cigarro, na ponta dessa corda mágica que se desenrola em hesitantes convulsões até ao tecto, pareço representar para um público invisível.
Levo lentamente o cigarro à boca e aspiro, concentrando toda a minha atenção no som do tabaco que se incendeia. A incorporação do fumo dilui a minha existência material, aproximando-me do estado etéreo, longe da plataforma do comboio em que me despeço de mais uma tentativa envergonhada a uma vida “normal”.
“Tabaco só na máquina!” Atira pelo canto da boca o empregado do balcão.
“Então podia-me trocar esta nota de 20 Euros?” A voz é feminina e a maneira como se arrasta nos ”nh’s” deixa transparecer uma ponta de periferia.
Estou de costas para a porta. Já conheço o empregado e guardo por ele uma embirração especial. Conheço-lhe o prazer de desagradar tão pouco condizente com a sua profissão, mas tão presente nos criados de Lisboa.
Dirige-se para a máquina. Estou de costas para ela enquanto oiço o som das moedas a entrar na ranhura. Tantas melancolias há instantes. O etéreo e tudo isso. A perda... sentimentos um pouco doces de tão pesados, rapidamente afastados pela mão desta ajudante de cena que agora atira para o bar (des) povoado de clientes e pelo empregado ordinário:
“Nunca faço isto! Entrar num bar vazio!”
Falar para a nuca de um homem que bebe cerveja, pendurado pelo nariz à última réstia de consciência?
Consigo ouvi-la inspirar lentamente e sigo algures na sua zona occipital o peito dela a elevar-se por baixo da camisola de lã.
“Isto de comprar tabaco. Normalmente fumo o que me dão.” Viro a cabeça e sinto-me na obrigação de esboçar um sorriso. A franja, que não consegue decidir se avançada ou extremamente fora de moda, esconde-lhe um pouco dos olhos redondos.
Tira o maço da máquina e senta-se na cadeira à minha frente “Posso?” Finamente sorrindo.
“Podias ter dito!” Indico com a mão o maço. Acende o cigarro e fica para ali a ser admirada. Eu faço-lhe a vontade. Enquanto os meus olhos se passeiam pela linha da cintura e pelos seios pequenas ela rebola os olhos com um canto da boca revirado (por prazer ou feitio) até se fixar nas gotas que escorrem na vidraça.
Chego a uma conclusão engraçada, se estivermos atentos, sedução e luxúria estão por toda a parte, rodeia-nos de tal maneira que se queremos sair é deveras complicado furar a barreira que nos circunda.
Mais complicado ainda é depois de inseridos, tentar que as coisas passem ao lado.
É deveras complicado. A tentação é muita e a idade desperta-nos um requinte que nos era anteriormente desconhecido.
Talvez, também nos dê um certo charme que joga a nosso favor.
Já a conhecia de algum tempo a esta parte.
O abismo que separa o sonho da realidade tinha sido superado. Não havia forma de retroceder.
Estava feito e agora sim, a velocidade em que percorria o carreiro deste ano era já de cruzeiro.
O ritmo iria aumentar subitamente e de forma aterradora.
Entro num café. Sento-me numa mesa.
Dessa mesa que se encontra mais perto da montra, sigo as gotas que serpenteiam, distorcendo o trânsito da hora de ponta.
Ainda não escureceu completamente e sobre Lisboa, uma nuvem escura paira, resultado imaginado do cúmulo de todas as “neuras” dos periurbanos que regressam atravessando o rio.
Apesar de escuro, o céu nublado não suaviza os contornos da praça.
Em vez disso a luz filtrada pelas nuvens pesadas de chumbo destaca cada racha, fissura ou telha musgosa dando aos prédios distribuídos em ferradura um ar tristemente ameaçador.
Pendurado no cigarro, na ponta dessa corda mágica que se desenrola em hesitantes convulsões até ao tecto, pareço representar para um público invisível.
Levo lentamente o cigarro à boca e aspiro, concentrando toda a minha atenção no som do tabaco que se incendeia. A incorporação do fumo dilui a minha existência material, aproximando-me do estado etéreo, longe da plataforma do comboio em que me despeço de mais uma tentativa envergonhada a uma vida “normal”.
“Tabaco só na máquina!” Atira pelo canto da boca o empregado do balcão.
“Então podia-me trocar esta nota de 20 Euros?” A voz é feminina e a maneira como se arrasta nos ”nh’s” deixa transparecer uma ponta de periferia.
Estou de costas para a porta. Já conheço o empregado e guardo por ele uma embirração especial. Conheço-lhe o prazer de desagradar tão pouco condizente com a sua profissão, mas tão presente nos criados de Lisboa.
Dirige-se para a máquina. Estou de costas para ela enquanto oiço o som das moedas a entrar na ranhura. Tantas melancolias há instantes. O etéreo e tudo isso. A perda... sentimentos um pouco doces de tão pesados, rapidamente afastados pela mão desta ajudante de cena que agora atira para o bar (des) povoado de clientes e pelo empregado ordinário:
“Nunca faço isto! Entrar num bar vazio!”
Falar para a nuca de um homem que bebe cerveja, pendurado pelo nariz à última réstia de consciência?
Consigo ouvi-la inspirar lentamente e sigo algures na sua zona occipital o peito dela a elevar-se por baixo da camisola de lã.
“Isto de comprar tabaco. Normalmente fumo o que me dão.” Viro a cabeça e sinto-me na obrigação de esboçar um sorriso. A franja, que não consegue decidir se avançada ou extremamente fora de moda, esconde-lhe um pouco dos olhos redondos.
Tira o maço da máquina e senta-se na cadeira à minha frente “Posso?” Finamente sorrindo.
“Podias ter dito!” Indico com a mão o maço. Acende o cigarro e fica para ali a ser admirada. Eu faço-lhe a vontade. Enquanto os meus olhos se passeiam pela linha da cintura e pelos seios pequenas ela rebola os olhos com um canto da boca revirado (por prazer ou feitio) até se fixar nas gotas que escorrem na vidraça.
Chego a uma conclusão engraçada, se estivermos atentos, sedução e luxúria estão por toda a parte, rodeia-nos de tal maneira que se queremos sair é deveras complicado furar a barreira que nos circunda.
Mais complicado ainda é depois de inseridos, tentar que as coisas passem ao lado.
É deveras complicado. A tentação é muita e a idade desperta-nos um requinte que nos era anteriormente desconhecido.
Talvez, também nos dê um certo charme que joga a nosso favor.
Já a conhecia de algum tempo a esta parte.
Texto: in "Ano Louco"
Imagem: Google
2 comentários:
Me delicio com os teus contos, por isso aqui estou novamente agora com um convite:
Eu gostaria de te convidar a participar numa dinâmica de blogguers:
1.- Você deve copiar a imagem "Honest scrap" do meu blog "Destilador" www.destilador.blogspot.com e colocá-a no seu.
2.- Mencionar quem lhe convido prá participar.
3.- escrever 10 coisas honestas acerca de você.
4.- Convidar mais 8 pessoas para participar nessa dinâmica.
Veio do México para mim o convite, Resih é leitor do Destilador e leio sou leitora do blog dele! ;)
Há muito tempo que aqui não vinha, mas ...João, é sempre um bálsamo ler-te.
Muito bom, mesmo.
Gostei de voltar.
Beijinho
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