Parte 2
Abalamos calmamente. Não era nossa intenção dar nas vistas, mas mesmo que fosse julgo que não ia surtir qualquer tipo de efeito sob aquelas almas, agora, complemente pedradas, absorvidas no seu mundo, muitas delas já a ressacar e a dormir, um coma profundo.
Quando alcançamos a rua, tudo muda.
Apercebo-me da sua beleza, à luz de um candeeiro, que emite uma luz dourada.
Os seus braços ganham, igualmente, essa tonalidade dourada, como se toda a sua pele tivesse sido submetida a um banho de ouro.
Era a sua aparência física que estava a ganhar riqueza perante os meus olhos, que se iam habituando a uma luz que tinha aumentado de intensidade.
A conversa começou a fluir, e não demos pelo tempo passar. A nossa conversa corria como um rio alvoraçado, preste a transbordar as suas margens. Encontrámos uma série de semelhanças, e parece que o nosso encontro, naquele pequeno apartamento, não tinha sido um acaso.
Muitas pessoas que lá se encontravam, a tomarem substâncias menos próprias eram amigos comuns. Outro aspecto relevante era a nossa dura batalha, que tínhamos vencido.
Não deixei de ficar preocupado, com a sua tristeza em relação a uma das suas amigas que estava cada vez pior, como me segredou.
A conversa prolongou-se até altas horas da noite. Dissemos tudo o que tínhamos para dizer um ao outro, dissemos tudo aquilo que não poderíamos ter tido na divisão daquele apartamento, circundados pela escuridão e envolvidos por aquele som ensurdecedor.
O meu coração palpitava como que alimentado por cinco cavalos de corrida. Pequenas gotículas de suor escorriam das minhas têmporas e axilas. Sentia-me nervoso.
Avizinhava-se a hora do fim e não queria estragar uma noite que até ali tinha sido perfeita.
Acompanhei-a até casa com passos curtos, fazendo com que o tempo também caminhasse devagar e com passada breve. Estanquei junto da porta. Agarrei-lhe suavemente na mão. Senti a sua linda mão a tremer, e olhei-a nos olhos.
Molhei os meus lábios, momentaneamente secos, e acalmei a minha respiração um pouco acelerada. Imaginei que a sua respiração também não estivesse dentro dos limites da normalidade, para alguém que está estático.
A nossa respiração estava certeira, era a respiração de quem estava enamorado, ou de alguém que tinha uma atracção especial.
Os nossos olhares fixaram-se por longos instantes. Aproximei os meus lábios dos seus, e fui-me aproximando cada vez mais, lentamente. Ela correspondeu. Selámos o nosso encontro com um beijo quente. Os seus lábios ferviam. Os meus abrasavam.
Uma nuvem nasceu no ar e baptizou com gotas frias o nosso encontro naquela madrugada resfriada. Despedimo-nos, deixando logo a saudade ali plantada: uma plantinha acabada de nascer, a necessitar de carinho e amor.
Era o que nós os dois necessitávamos, e isso, só nós o podíamos oferecer um ao outro. Circunstâncias da vida atraiçoaram o nosso “amor”. Apenas e só mais uma vez pude contemplar aquele ser frágil pintado a ouro.
Daquele acto de paixão sobrou apenas um corpo, o meu que conseguiu fintar a morte, mas o harmonioso corpo de Inês foi de forma purgante cobiçado e avassalado por uma galopante leucemia.
Vivia os dias com gáudio e a vivacidade dos seus dezoito anos quando foi atraiçoada.
A angústia caiu sobre todos como uma espessa cortina que nada deixava ver para além da tristeza negra e opaca.
Os pais e o irmão solidificaram no tempo, porque ela, por natureza ou falsa ingenuidade, encarava aquela doença como uma gripe que com alguns dias de cama e um chá de menta acabaria por entorpecer e ir embora.
Chegaram os resultados dos exames, das análises e a sentença do internamento.
A famigerada e odiada quimioterapia roubou-lhe, indiferente à idade e vontade de viver, o cabelo dum tom entre o ruivo e loiro mal definido e atirou-a para uma cama de hospital aonde ela continuava a cumprir o horário dos trabalhos de casa para passar nos exames.
Foi quase um ano de internamento por três hospitais que a Inês viveu, animando pais, irmão e demais família. Sempre confiante mesmo quando sem cabelo, usando uma boina, apregoava que o que viria a seguir seria mais forte e bonito, como quando ao fim de quatro meses de cama, tendo perdido o hábito de andar, se desculpava quando se desequilibrava, com o facto de os sapatos serem novos e duros.
Os tratamentos amainaram, e a recuperação parecia surgir finalmente.
A batalha entre os glóbulos brancos e vermelhos parecia estar vencida. Mas numa guerra, não há caído ou triunfante, mas sim vitimas das circunstâncias.
Voltou para casa para a brincadeira imparável com o cão, conversa com os vizinhos sempre chorosos de felicidade quando a encontravam, retorno à pesca no rio com o irmão, até surgir o desejo inultrapassável dum bom mergulho na piscina.
E concretizou-o com quase meia hora de natação.
Faleceu às 19,38 horas.
Foi sepultada com o vestido oferecido pelo padrinho que nunca mais apadrinhou alguém ao longo dos poucos anos que ainda lhe restaram.
Eu, já resolvi que serás sempre minha, mesmo ausente.
Podemos conversar como sempre. Viver a vida como sempre. Morrer a morte, se dela quiseres falar.Querida amiga, sabes de vida, morte e ressurreição muito mais do que eu.
Recebi hoje um postal natalício, daqueles feitos pelos deficientes de todo o mundo com uma destreza formidável que nem sempre atinge as culminâncias da arte.
É de um colega do trabalho, da nossa idade. Nada de raro: Saúde, felicidade, ano novo cheio de concretizações. Tudo pode ser uma concretização, até a morte!
Mas há alguns meses ele telefonou-me, preocupado com as notícias sobre a morte de outro colega, um tipo tenso e ginástico que levara vida profissional apagada e se divorciou por causa da amante, mas continuou a beber demais, a fumar em excesso, a andar num enervamento até cair fulminado.Respondi-lhe para lhe dizer que todos têm a sua hora. Uma banalidade e uma verdade. Amiga, penso muitas vezes em ti porque estás longe.
Amei esse impetuoso e exíguo e inocente amor de um homem por uma mulher.
Hoje de manhã olhei o céu soprei um beijo e como por sortilégio uma brisa fresca acariciou o meu rosto.
Sei que foi a tua réplica. Até sempre Inês!
Quando alcançamos a rua, tudo muda.
Apercebo-me da sua beleza, à luz de um candeeiro, que emite uma luz dourada.
Os seus braços ganham, igualmente, essa tonalidade dourada, como se toda a sua pele tivesse sido submetida a um banho de ouro.
Era a sua aparência física que estava a ganhar riqueza perante os meus olhos, que se iam habituando a uma luz que tinha aumentado de intensidade.
A conversa começou a fluir, e não demos pelo tempo passar. A nossa conversa corria como um rio alvoraçado, preste a transbordar as suas margens. Encontrámos uma série de semelhanças, e parece que o nosso encontro, naquele pequeno apartamento, não tinha sido um acaso.
Muitas pessoas que lá se encontravam, a tomarem substâncias menos próprias eram amigos comuns. Outro aspecto relevante era a nossa dura batalha, que tínhamos vencido.
Não deixei de ficar preocupado, com a sua tristeza em relação a uma das suas amigas que estava cada vez pior, como me segredou.
A conversa prolongou-se até altas horas da noite. Dissemos tudo o que tínhamos para dizer um ao outro, dissemos tudo aquilo que não poderíamos ter tido na divisão daquele apartamento, circundados pela escuridão e envolvidos por aquele som ensurdecedor.
O meu coração palpitava como que alimentado por cinco cavalos de corrida. Pequenas gotículas de suor escorriam das minhas têmporas e axilas. Sentia-me nervoso.
Avizinhava-se a hora do fim e não queria estragar uma noite que até ali tinha sido perfeita.
Acompanhei-a até casa com passos curtos, fazendo com que o tempo também caminhasse devagar e com passada breve. Estanquei junto da porta. Agarrei-lhe suavemente na mão. Senti a sua linda mão a tremer, e olhei-a nos olhos.
Molhei os meus lábios, momentaneamente secos, e acalmei a minha respiração um pouco acelerada. Imaginei que a sua respiração também não estivesse dentro dos limites da normalidade, para alguém que está estático.
A nossa respiração estava certeira, era a respiração de quem estava enamorado, ou de alguém que tinha uma atracção especial.
Os nossos olhares fixaram-se por longos instantes. Aproximei os meus lábios dos seus, e fui-me aproximando cada vez mais, lentamente. Ela correspondeu. Selámos o nosso encontro com um beijo quente. Os seus lábios ferviam. Os meus abrasavam.
Uma nuvem nasceu no ar e baptizou com gotas frias o nosso encontro naquela madrugada resfriada. Despedimo-nos, deixando logo a saudade ali plantada: uma plantinha acabada de nascer, a necessitar de carinho e amor.
Era o que nós os dois necessitávamos, e isso, só nós o podíamos oferecer um ao outro. Circunstâncias da vida atraiçoaram o nosso “amor”. Apenas e só mais uma vez pude contemplar aquele ser frágil pintado a ouro.
Daquele acto de paixão sobrou apenas um corpo, o meu que conseguiu fintar a morte, mas o harmonioso corpo de Inês foi de forma purgante cobiçado e avassalado por uma galopante leucemia.
Vivia os dias com gáudio e a vivacidade dos seus dezoito anos quando foi atraiçoada.
A angústia caiu sobre todos como uma espessa cortina que nada deixava ver para além da tristeza negra e opaca.
Os pais e o irmão solidificaram no tempo, porque ela, por natureza ou falsa ingenuidade, encarava aquela doença como uma gripe que com alguns dias de cama e um chá de menta acabaria por entorpecer e ir embora.
Chegaram os resultados dos exames, das análises e a sentença do internamento.
A famigerada e odiada quimioterapia roubou-lhe, indiferente à idade e vontade de viver, o cabelo dum tom entre o ruivo e loiro mal definido e atirou-a para uma cama de hospital aonde ela continuava a cumprir o horário dos trabalhos de casa para passar nos exames.
Foi quase um ano de internamento por três hospitais que a Inês viveu, animando pais, irmão e demais família. Sempre confiante mesmo quando sem cabelo, usando uma boina, apregoava que o que viria a seguir seria mais forte e bonito, como quando ao fim de quatro meses de cama, tendo perdido o hábito de andar, se desculpava quando se desequilibrava, com o facto de os sapatos serem novos e duros.
Os tratamentos amainaram, e a recuperação parecia surgir finalmente.
A batalha entre os glóbulos brancos e vermelhos parecia estar vencida. Mas numa guerra, não há caído ou triunfante, mas sim vitimas das circunstâncias.
Voltou para casa para a brincadeira imparável com o cão, conversa com os vizinhos sempre chorosos de felicidade quando a encontravam, retorno à pesca no rio com o irmão, até surgir o desejo inultrapassável dum bom mergulho na piscina.
E concretizou-o com quase meia hora de natação.
Faleceu às 19,38 horas.
Foi sepultada com o vestido oferecido pelo padrinho que nunca mais apadrinhou alguém ao longo dos poucos anos que ainda lhe restaram.
Eu, já resolvi que serás sempre minha, mesmo ausente.
Podemos conversar como sempre. Viver a vida como sempre. Morrer a morte, se dela quiseres falar.Querida amiga, sabes de vida, morte e ressurreição muito mais do que eu.
Recebi hoje um postal natalício, daqueles feitos pelos deficientes de todo o mundo com uma destreza formidável que nem sempre atinge as culminâncias da arte.
É de um colega do trabalho, da nossa idade. Nada de raro: Saúde, felicidade, ano novo cheio de concretizações. Tudo pode ser uma concretização, até a morte!
Mas há alguns meses ele telefonou-me, preocupado com as notícias sobre a morte de outro colega, um tipo tenso e ginástico que levara vida profissional apagada e se divorciou por causa da amante, mas continuou a beber demais, a fumar em excesso, a andar num enervamento até cair fulminado.Respondi-lhe para lhe dizer que todos têm a sua hora. Uma banalidade e uma verdade. Amiga, penso muitas vezes em ti porque estás longe.
Amei esse impetuoso e exíguo e inocente amor de um homem por uma mulher.
Hoje de manhã olhei o céu soprei um beijo e como por sortilégio uma brisa fresca acariciou o meu rosto.
Sei que foi a tua réplica. Até sempre Inês!
3 comentários:
bem, que cronica de vida...
ha pessoas k realmente aparecem sp c algum proposito.. inexplicavel..
mas tb kd amamos.. o k importa e amar e sentir.. e n tentar explikar o pk d amor, pois n ha razoes, mas sim sentindo-o!
esse amor de certeza k ficou marcado e vincado aos 2.. um laço k nem a morte pode se opor.
um amor inocente.. mas afinal.. tudo k seja amor é inocente!
boa continuação.. beijinhos
Olá João.
Passei por aqui e li "Amor Inocente".
Gosto da forma como escreves.
Há sempre um misto de tristeza,revolta e desilusão nas tuas palavras. Um olhar para trás e uma tentativa de seguir em frente nem que seja empurrado pela brisa que sopra.
Espero que estejas bem.
Beijo
flordeliz
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