"Dorme, meu amor — a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste e pode levantar-se como um pássaro assim que adormeceres."
Maria do Rosário Pedreira
Hoje não quero escrever, irei apenas semear algumas palavras de modo que cresçam árvores de frases.
Não, não estou louco porque a minha loucura nasceu quando contemplei pela primeira vez o brilho desses teus olhos negros.
Que desejos te acendi eu, se tudo o que tenho está na alma?
Que vi na tua carne que se colou aos meus olhos como uma dor insuportável?
Passeio-me na nudez da minha memória, onde guardo na distância da tua ausência momentos repletos de ti.
Desejar-te é como tricotar o tempo à espera da medida certa do teu corpo, da prova do teu vestido.
Esfumei-me naquela folha branca onde traçaste o meu esboço com a tinta lívida que te dei, quando te ofertei o meu coração.
Arrepiei-me nas palavras que bradavam daquele texto em que me soubeste tão bem descrever. A tinta secou, tal como a réstia de esperança que ainda me habita e consome.
Imploro-te ainda que sintas nas tuas mãos o suor que escorre de mim e diz-me: ADEUS.
Peço que termines com esse amor a meio tempo. Vem ter comigo de vez, mata a ansiedade que chove em nós, pesada, deixa-me ser teu assim muitas vezes fechado em suor, ou então só mais uma vez mas, com o tempo todo, para que o mundo acabe bem e me possas cantar trovas de amor.
O teu sabor é mais que puro orvalho que escorre em fragrância de neve, leitosa e húmida. E sempre que sinto o teu aroma, o céu torna-se violeta a maior parte dos dias. Por vezes acastanhado, outras, azulado para o índigo. Mas, sempre de tonalidade diferente.
Ri para mim. Ri com a malícia do teu sorriso que me encanta e bota-lhe o som roufenho de quem rasga uma folha de papel.
Sabes, o pecado é um sonho que cabe em duas mãos e que voa livre como uma gaivota.
Estriei-me no trasfegar de sentimentos nos poemas que escorriam do teu peito deitando-me à noite com a lua.
Mas até a própria lua perdeu a beleza que possuía quando a mirava-mos juntos, mão na mão, face na face.
Hoje quando a olho, apenas observo silhuetas de gatos anorécticos de ossos a romper-lhe a pele, restos estilhaçados de vasos onde antes existiam orquídeas selvagens.
Dei-te a mesa do amor. Embrulhaste-me no teu lençol de linho debruado a ponto sombra e o teu colo manso de virginal princesa.
Ofereci-te o meu sonho que fantasiava contigo.
Desperto.
Olho agora a face da noite. Está escurecida. Está parada, desenhada na geometria do silêncio, diria eu que empobrecida. Que linhas e molde usaste para desenhar este silêncio?
Questiono os verbos e as palavras trocadas como lanças de fogo que atearam a nossa inocência.
Agora já não adormeço no leito aberto do teu corpo. Fomos um par de pleonasmos, uma parelha de redundâncias.
Respirávamos em uníssono senão morríamos. Mas, um de nós deixou tombar o olhar no chão.
Será que fomos mortos pela nossa paixão? Tu eras o meu espelho, eu eventualmente a tua miragem. Será que o espelho quebrou, com tanto beijo, com tanto amor?
Mas que importa terminar o que não teve início?
E antes que a chuva acabe de vez lá fora vai-te embora que “ele” já deve estar à tua espera, e se fosse mentiroso como me apelidas, enganador como a primavera, dizia-te que não me importava. Tenho incessantemente tentar perceber a frase que deixaste presa ao meu peito, triste e nu. “Irei amar-te para sempre!”
Já chega. Rouba-me e vai-te embora.
Mesmo sendo quem não sou e tu sendo quem és, continuarei a amar-te.
Como eu não sou quem tu és, e tu és como eu sou, responde-me de vez em tom de vermelho que é a cor do prazer e volúpia sem falácia, amas-me a mim, ou amas um ideal?
Nunca me conheceste, nunca te entendi. Preferiste escutar vozes cadavéricas de maldade, mentira, podridão e despotismo.
Nunca quiseste entrar e percorrer o espaço desmedido do meu coração.
A falta só será visível quando não fizer falta.
Um dia, mesmo que distante no tempo, irás reconhecer, que todos nos enganamos e talvez nesse dia me reconheças ao longe e me avistes caminhar, já em dificuldade pelo peso da idade e pela corrosão de um coração que sofre.
Debaixo do braço, fortuitamente, quem sabe, consigas decifrar o poema Adeus de Eugénio de Andrade.
“Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
(…)
Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.”
2010-02-22
10 comentários:
Para vc, primo querido, porque
*Somos uma só alma habitando dois corpos,
Somos uma só vida,
Nenhum pode viver sem a sua vida,
Nenhum pode viver sem a sua alma.
Juntos, florescemos
Separados, morremos.
Nossos corações, quando se tocam,
Sentem a mesma emoção.
Nossos olhos, quando se encontram,
Refletem-se, e nos estremecem de paixão.
Posto que é o mesmo,
Quem dirá que não é incondicional
Esse amor em completa fusão?
Mesclados na medida igual,
Somos um só, repletos de felicidade,
A mais pura expressão da eternidade*
Poema da Renata
Beijos
Renata
Além do texto que me encantou ainda me"atiras" com Eugénio de Andrade. Olha que sou do tempo em que "urgentemente" fazia parte do programa de Português.
Comecei a ler o Ano Louco, estou a gostar, mas ainda não li muito.
Bjs
Bem à sua maneira, presenteia-nos com um lindo texto de amor, desilusão e asuntos pendentes...
Obrigada por este e pelos outros! Agradeço também pelo gentil comentário que me deixou e... pelo meu prémio!!! Já recebi! :D
Meu querido
o seu texto está maravilhoso, uma mistura de sentimentos, tudo se junta no nosso sentir, quando o vazio e a solidão nos ataca.
Adorei
beijinhos
Sonhadora
Meu querido amigo,
Que sentir belo é este, cada palavra sinto uma mescla de cores brilhantes que aquecem o seu coração e ilumina a sua alma.
Que bom poder saborear das suas palavras e sentir todo o seu sentir mesmo que de forma diferenciada.
Amo todas as palavras provindas desse coração tão quente de amor.
Beijinhos cheios de luz:)
Susana
A propósito deste seu texto emergiu na minha memória uma música lindíssima pela qual me encantei há já alguns anos. Como a cantarolei durante o dia de hoje, convido-o a ouvi-la também (penso que se ajusta). Lua Branca, cantada por Maria Bethânia.
Espero que goste!
Su
"Passeio-me na nudez da minha memória, onde guardo na distância da tua ausência momentos repletos de ti."
Acho que não há nada a dizer, pois estas palavras já dizem tudo...
Beijinhos, Sonhador
Sobeja sentimento onde falta a presença...
Beijo amigo, sempre
Susana
Querido amigo,
obrigado pelo tempo, dispensado para ler os meus textos e comenta-los, agradeço-lhe do fundo do meu coração. As suas sábias palavras são a água em muitos momentos onde a sede me seca os pensamentos em muitos momentos.
Em relação aolivro "A Traição da Psique" eu não o possuo embora eu já tenha evidenciado o meu desejo para o ter, mas aqui na região do Algarve ainda não encontrei à venda :-(
Beijinhos
Susana
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