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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Amor em três actos


I acto (Encontro)

As cortinas de veludo escarlate deslizam suavemente deixando vislumbrar os dois actores que vão protagonizar a mais bela história de amor já alguma vez impressa e editada.
É a mais bela porque, é a minha história de amor. Triste? Bela? Surreal?
Depende sempre da interpretação de quem assiste.
O público está sentado. Apenas se ouve algum sussurro perdido esvoaçando pela sala. As luzes começam a extinguir-se tal como a chama do coração dos artistas. As pancadas profundas de Molière perturbam o silêncio que já se fazia sentir.
Os actores avançam para a boca de cena vazia de adereços. Afinal numa história de amor os adornos não são necessários. O único enfeite será o laço que une apertadamente dois simples corações.



Amor à primeira vista? Não sei, porque custa-me a acreditar em tal. No entanto a cumplicidade e compreensão entre nós, permaneceu desde o primário segundo.
Observo-te ao longe encostada nas grades à espera do desconhecido com os olhos inertes a observarem o vazio que ainda aguardavas.
Vou deixar-te navegar na noite perdida ou vou envolver-te no brilho dos meus olhos para que te esqueças que o sol não existe à noite.
O frio faz-me lacrimejar. Será apenas do frio?
Agarro o teu braço e o momento, vamos sentar-nos numa mesa que relembro no presente e esqueci no passado.
Olhas-me e sorris. Sei que me vês como um porto de embarque distante, mas de paragem obrigatória.
Dirijo umas breves palavras ao empregado e este dá-me os cafés fumegantes que nos aquecem o corpo e a alma. Olhas-me e passas a língua nos teus lábios.
Eu, subtilmente, brinco com o pacotinho do açúcar tentando disfarçar o embaraço. Fico inquieto. Sorris e passas os dedos pela chávena fumegante devagar, aquecendo as tuas mãos enquanto eu as imaginava no meu corpo. Sinto o rubor a crescer-me na face.
És extrovertida e simultaneamente serena como a pintura de Mona Lisa.
Nunca dito palavras abertas a uma desconhecida, mas encontrei em mim a coragem necessária. Totalmente engasgado e meio hesitante desvendei-te segredos que só a minha mente conhecia.
A partir daquele momento, passei noites a sufocar em desejos. O meu peito, ardendo em brasa.



II acto (Conivência)

A noite está clara porque as estrelas davam-nos as boas vindas.
Os teus fascinantes olhos negros fixam os meus.
Hesitas-te um segundo, que me pareceu uma eternidade, mas por fim, o teu rosto roça o meu e os teus lábios tentam descortinar os meus. Soou uma melodia, nos meus ouvidos. Sorri e tu riste-te. Acariciei-te, sem que te importasses. Beijei-te!
As noites longas são o revigorar do nosso amor. É nessa maré de letargia que te beijo na volta de um beijo naufragado nestes meus lábios púrpura.
A noite é a nossa confidente, a madrugada o porto que te acolhe entre penhascos onde as palavras do meu amor ecoam nos teus ouvidos.
Para além da lua e das estrelas temos sempre os olhos encharcados do Tejo que sussurra melodias que nos fazem chorar. E tantas vezes chorei. E tantas vezes bebi as tuas lágrimas salgadas com sabor a Tejo. E tantas vezes o vento chorou por nós. E eu acamava a cabeça no teu colo na esperança que tu fizesses calar o vento.
Quando a lua se entorna pela janela e me lambe o corpo, nu de roupa e totalmente atolado de amor lanço-lhe beijos com ternura e cumplicidade. Na sua mágica luz, observo o encanto do teu corpo nu, o ardor contundente dos teus lábios, o sabor morno do teu beijo.
Não existem segredos, mas sim, sentimentos castrados pelo medo do sol. Sempre que conto as estrelas junto mais duas, aquelas que permanecem no teu olhar sempre que vens, e que me beijas, que me amas. Não te percas a olhar a sensualidade enrugada do tempo, não existe pêndulo, não existe o dia nem a noite quando estamos juntos, apenas o momento.
O ressurgir das músicas incansáveis que tocam como um despertar constante de ti ecoam baixinho nesta madrugada onde te acolho em molhos de poesia que me encharcam o peito.
Que espectro transformou o teu sumo doce de amor em adversidade, em sentimento frustrante e secreto?



III acto (Oscilação)

Agora, a lua recusa-se a beijar a escuridão da noite. Aconchego-me na vida verdadeira e adormeço a chorar sem a presença do luar que me banhava em sedução, e sem ti.
Não existe vento que te saqueie enquanto existires em mim.
Não existem mais as palavras que soletravas e escrevias na ardósia do meu coração.
Tudo subsiste apenas na magia destas mãos quentes e na alma gélida de silêncio.
Estou na extremidade da ponte que te alcança, estou tão perto de ti que quase te toco. Sei-te inquieta porque pressentes o cheiro da ansiedade que me envolve.
Acaricio-te em sonhos e pela minha mente perpassam imagens da tua nudez branca. Tão branca como o linho em que te aconchegas nas noites frias sem mim.
Detenho-me por momentos, na rosácea dos teus seios tumentes onde a minha língua já desenhou espirais de um sôfrego desejo incontido.
Por fim o meu sonho feito de intempéries de pequenos nadas desvanece-se como plumas aleatoriamente ondulando ao sabor da agitação do vento da monção da Península Arábica.
Abro o livro de Inês Pedrosa. Fazes-me falta. Não li. Fiquei-me apenas na beleza das palavras.
Fazes-me falta para me fazer rir, para me afagares os parcos cabelos em desalinho tal como a minha alma. Fazes-me falta para poder chorar no teu ombro. Fazes-me falta porque afinal ficou o teu número no meu telefone.
Sem ti é sempre quarta-feira, já não vejo o tempo a percorrer o calendário da nossa existência.
No peito, a dor que sinto entope-me a fala. Uma dor inexplicável e insolúvel que brota águas e uivos lancinantes e não pára. Uma dor pungente que é minha, que é tua, que é nossa.
Agora, apenas me resta fechar os olhos, na ânsia da morte, por permanecer nesta solidão impregnada de ti.

As cortinas de veludo escarlate deslizam agora suavemente em sentido inverso cobrindo a ausência de ornamentação e os dois actores que terminaram de protagonizar a mais bela história de amor já alguma vez impressa e editada. A nossa história de amor.
O público saiu em sepulcral silêncio.
As luzes da sala dimanaram de novo iluminando os passos perdidos, de quem abandonava o espaço onde se viveu, vive e viverá para sempre o amor… O palco da vida, porque na realidade viver no coração de alguém que nos ama não é morrer.
Diante da cortina, já um pouco amarrotado, apenas o laço que uniu dois simples corações numa peça em três actos.

FIM

12 comentários:

Menina do cantinho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido
Eu também saio em silêncio, respeitando esse amor, que se transformou nesse maravilhoso texto.

Agarro o teu braço e o momento, vamos sentar-nos numa mesa que relembro no presente e esqueci no passado.

Fico com estas palavras.
belissimo.

Beijinhos com carinho
Sonhadora

Susana Vaz Pedro disse...

Avassalador... o amor...
Saio muda desta peça pouco teatral.

Porque me fez voltar a pegar nas belas frases cruas de Inês Pedrosa (em Fazes-me Falta), cito apenas:

"E nós deixámo-nos matar, porque está na natureza do amor estilhaçar-se sem ruído, desfazer-se em vidros e pesar-nos no lugar da alma."

RENATA CORDEIRO disse...

Olá, querido primo Poeta!

*Peço, não deixe que a poesia morra.
O mundo fica menos colorido sem ela
Não fique calado, não corra.
Faça um verso e para a rima apela*

Vim aqui para lhe dizer:
Bom dia sempre!
Beijos da Rê
Saindo para andar, porque é mais do que preciso.
Fique alerta. Cuidado: a patinha pode virar um belo cisne de uma hora para outra!!! Olhe para os lados!!!

Penélope disse...

Não vou sair em silêncio, não.
Farei barulho de canção... uma bela melodia a enfeitar este amor real ou fictício, não importa e, deixarei escrito na ardósia do teu coração palavras de ternura para que a tua tristeza de amor se dissipe.
Ah! Meu amigo, porque as pessoas persistem em fazer o amor algo inatingível.
O amor deve existir em único ato! Aquele que começa e não tem fim.
Beijinhos em ti

NUMEROLOGIA E PROSPERIDADE disse...

FOI DESSE JEITO QUE EU OUVI DIZER... p0assou para dar uma espiada nas novidades e desejar um bom final de semana.
Saudações Florestais !

Vanessa Souza disse...

Começo, meio e fim.

O previsível roteiro.

Triste e bonito.

Moi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sophia disse...

O passado estou a largá-lo, estou a apender a larga lo. A vida e' tao curta que e' desnecessario sofrermos tanto, e' desnecessario sentirmos vergonha por andar atras de quem amamos e que só nos usa por uns momentos. Agora, estou a redescobrir a amar, outra pessoa, uma disposta a amar, e como um amigo meu me disse "custa-te que ele tenha seguido em frente sem ti, agora segue tu em frente, sem ele"

continuando assim... disse...

Sonhador

está um desafio para ti, lá no Continuandoasssim .. :)

bj
teresa

RENATA CORDEIRO disse...

Partilho com você, querido, o que me foi ofertado

*EU AMO TUDO O QUE FOI
Fernando Pessoa

Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.*

Feliz semana sempre!
Beijos*******

Luz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.