Xico Varilhas, pegureiro de cabras e afins, sempre que encontrava uma rapariga da aldeia perseguia-a de uma forma persistente.
Um rabo de saia conseguia atordoar de tal forma o rapaz, que o número de cabras diminuía na proporção inversa das moçoilas que seguia.
Certo dia seguiu uma jovem que dava pelo nome de Joana.
Seria uma visão? Uma alucinação? Ou seria uma punição que lhe fora dado por Deus eventualmente por delitos cometidos numa outra vida e dos quais não se recordava?
Que linda menina vi hoje cabelos em espigas negras pendendo sobre o pescoço de gazela.
Linda menina, de pernas bem torneadas. Um vestido de seda deixava adivinhar os pequenos seios sobressaltados de embaraço como querendo rebentar os botões do decote.
Fosse como fosse, uma coisa era certa, ela estava ali, parecia real e ele não conseguia disfarçar e nervoso quando ela passava e lhe lançava os olhos verdes de esperança. Era como Febe a deusa da lua.
Apesar da insistência do pastor, a moça não cedia aos piropos do rapaz.
Um dia a caminho da ribeira onde ia lavar a roupa, ele surpreendeu-a com a sua voz aprazível num simples… olá.
A rapariga rubra de vergonha baixou os olhos e disse-lhe:
- Só te aceito como noivo se me prometeres casamento diante de duas testemunhas.
- Que testemunhas são essas?
A rapariga chegou-se de mansinho mais perto do seu ouvido e segredou-lhe o nome das testemunhas.
O rapaz riu-se, e prometeu que jurava diante delas porque para além de simples sabia onde as encontrar, pois como Joana lhe dissera, bastava-lhe que as testemunhas fossem duas cobras.
Ambos se deslocaram ao poço da Devesa, sítio, onde ele sabia existirem cobras.
Xico, num ritual breve mas circunspecto ajoelhou-se e fez a sua jura diante das duas testemunhas.
Algum tempo decorreu e a paixão de Joana e Xico crescia como que regada diariamente com água sagrada.
Certo dia, Xico deslocou-se ao centro da aldeia, para comprar uns tamancos novos e botar uma carta nos correios para a tia Genoveva, solteirona por convicção, que tinha ido servido para casa de um médico de Monforte.
Após ter saído dos correios, a garganta pedia-lhe algo fresco de modo a enfrentar a meia dúzia de quilómetros até ao pastoril.
Entrou, tirou a boina que o protegia do sol de Setembro e pediu um Sumol de laranja fresco.
O Ti Zé perguntou-lhe como ia a vidinha, ao qual respondeu afirmativamente sem suspender os tragos de sumo que o refrescavam.
Quando se preparava para sair quase chocou com Clotilde, a filha mais nova do farmacêutico.
Xico ficou estático, como pregado ao chão. Imóvel, apenas sentia o bater do coração. Um arfar que lhe tolhia o discernimento.
Claro está que o jovem pastor passou a calcar os trilhos que o levavam à cidade três a quatro vezes por semana.
Os cabelos trigueiros e o sorriso maroto de Clotilde rapidamente fizeram sombra aos predicados de Joana.
Alguns meses passaram e cada vez mais Clotilde atraía o coração do solitário pastor.
Embora o farmacêutico tivesse outros planos para a novata, ela com o seu sorriso e falinhas mansas consegui a concordância do pai para namoriscar o cabreiro.
O namorico foi de tal forma intenso e convincente que o casório ficou marcado para Abril.
Joana, rejeitada, apenas chorava.
Abril chegou. Abril, águas mil, e assim foi, numa tarde chuvosa, Xico esperava à porta da Igreja de Nossa Senhora do Carmo impacientemente por Clotilde sua noiva. Com tanta exaltação, nunca mais se recordou de Joana e menos ainda da promessa consumada. Um relâmpago mais forte seguido de um grande estrondo fez tremer Xico e convivas que aguardavam recolhidos a chegada da noiva à casa do Senhor.
Outro relâmpago fez vislumbrar ao longe a carripana que transportava a noiva e seu pai.
O pastor transpirava dentro de um fato preto riscado de cinzento e sentia-se sufocar com o aperto do laço que lhe segurava o colarinho da camisa branca.
Com quase uma hora de atraso, porque o tempo não tinha ajudado, a cerimónia teve início com a habitual marcha nupcial.
O senhor Anacleto seguia de braço dado com a filha com a cabeça muito hirta e estática dando a sensação de que ia muito concentrado, ou então, envergonhado com o desfecho que não conseguira travar.
O Padre Simão, começou a homilia, referindo a fidelidade que deveria estar presente num casamento de índole religioso.
O coro de beatas ouvia-se murmurar algo imperceptível, percebendo-se apenas “Ele está no meio de nós…”
Fora do templo, a chuva caía copiosamente, batendo de tal forma forte no abato tecto da igreja que dificultava a audição do sermão do padre.
Quando o sacerdote perguntou se havia alguém que se opunha àquele casamento, que falasse ou se calasse para sempre, um relâmpago iluminou a igreja de tal forma que colocou as beatas em reza e bênção incessante.
Simultaneamente uma voz tímida e fresca fez-se escutar. A amante desprezada saiu-lhe com impedimentos na igreja, afirmando que tinha duas testemunhas que viriam jurar que o rapaz lhe prometera casamento a ela.
Xico sorriu e replicou que chamasse as testemunhas, na certeza de que só jurara diante de duas simples cobras. A rapariga então chama:
Vinde, cobras minhas testemunhas…
A chuva vos manda vir, a Lua vos irá fazer falar, para me valerdes neste lugar.
As cobras entraram pela igreja dentro; cada uma delas vai enroscar-se nas pernas do perjuro e só o largam, quando ele se prontifica perante toda a comunidade presente a casar com Joana, deixando a noiva só no altar atónita com o que tinha presenciado.
Um a um os convidados abandonam a casa de Deus em sepulcral silêncio e com o semblante carregado.
Em segundos toda a gente se recolheu. No átrio da igreja, apenas o pastor e Joana permaneciam em transe olhando-se nos olhos, como dominados por algo que ainda tentavam compreender.
Então o jovem tentou sacudir do rosto da rapariga as fortes gotas de chuva que tombavam do céu como lágrimas constantes com a manga ensopada do seu casaco e num gesto místico beijou-lhe os lábios de forma suave. Segurou-lhe a mão e ao seu ouvido disse-lhe:
- Perdoas-me Joana?
A rapariga respondeu-lhe no momento em que outra testemunha abafou a sua voz com um estrondo metálico seguido de um lampo intenso que cortou o céu em mil pedaços.
De seguida, a chuva parou. Joana e Xico, abandonaram o átrio da igreja da mãos dadas e nunca mais foram vistos.
Um rabo de saia conseguia atordoar de tal forma o rapaz, que o número de cabras diminuía na proporção inversa das moçoilas que seguia.
Certo dia seguiu uma jovem que dava pelo nome de Joana.
Seria uma visão? Uma alucinação? Ou seria uma punição que lhe fora dado por Deus eventualmente por delitos cometidos numa outra vida e dos quais não se recordava?
Que linda menina vi hoje cabelos em espigas negras pendendo sobre o pescoço de gazela.
Linda menina, de pernas bem torneadas. Um vestido de seda deixava adivinhar os pequenos seios sobressaltados de embaraço como querendo rebentar os botões do decote.
Fosse como fosse, uma coisa era certa, ela estava ali, parecia real e ele não conseguia disfarçar e nervoso quando ela passava e lhe lançava os olhos verdes de esperança. Era como Febe a deusa da lua.
Apesar da insistência do pastor, a moça não cedia aos piropos do rapaz.
Um dia a caminho da ribeira onde ia lavar a roupa, ele surpreendeu-a com a sua voz aprazível num simples… olá.
A rapariga rubra de vergonha baixou os olhos e disse-lhe:
- Só te aceito como noivo se me prometeres casamento diante de duas testemunhas.
- Que testemunhas são essas?
A rapariga chegou-se de mansinho mais perto do seu ouvido e segredou-lhe o nome das testemunhas.
O rapaz riu-se, e prometeu que jurava diante delas porque para além de simples sabia onde as encontrar, pois como Joana lhe dissera, bastava-lhe que as testemunhas fossem duas cobras.
Ambos se deslocaram ao poço da Devesa, sítio, onde ele sabia existirem cobras.
Xico, num ritual breve mas circunspecto ajoelhou-se e fez a sua jura diante das duas testemunhas.
Algum tempo decorreu e a paixão de Joana e Xico crescia como que regada diariamente com água sagrada.
Certo dia, Xico deslocou-se ao centro da aldeia, para comprar uns tamancos novos e botar uma carta nos correios para a tia Genoveva, solteirona por convicção, que tinha ido servido para casa de um médico de Monforte.
Após ter saído dos correios, a garganta pedia-lhe algo fresco de modo a enfrentar a meia dúzia de quilómetros até ao pastoril.
Entrou, tirou a boina que o protegia do sol de Setembro e pediu um Sumol de laranja fresco.
O Ti Zé perguntou-lhe como ia a vidinha, ao qual respondeu afirmativamente sem suspender os tragos de sumo que o refrescavam.
Quando se preparava para sair quase chocou com Clotilde, a filha mais nova do farmacêutico.
Xico ficou estático, como pregado ao chão. Imóvel, apenas sentia o bater do coração. Um arfar que lhe tolhia o discernimento.
Claro está que o jovem pastor passou a calcar os trilhos que o levavam à cidade três a quatro vezes por semana.
Os cabelos trigueiros e o sorriso maroto de Clotilde rapidamente fizeram sombra aos predicados de Joana.
Alguns meses passaram e cada vez mais Clotilde atraía o coração do solitário pastor.
Embora o farmacêutico tivesse outros planos para a novata, ela com o seu sorriso e falinhas mansas consegui a concordância do pai para namoriscar o cabreiro.
O namorico foi de tal forma intenso e convincente que o casório ficou marcado para Abril.
Joana, rejeitada, apenas chorava.
Abril chegou. Abril, águas mil, e assim foi, numa tarde chuvosa, Xico esperava à porta da Igreja de Nossa Senhora do Carmo impacientemente por Clotilde sua noiva. Com tanta exaltação, nunca mais se recordou de Joana e menos ainda da promessa consumada. Um relâmpago mais forte seguido de um grande estrondo fez tremer Xico e convivas que aguardavam recolhidos a chegada da noiva à casa do Senhor.
Outro relâmpago fez vislumbrar ao longe a carripana que transportava a noiva e seu pai.
O pastor transpirava dentro de um fato preto riscado de cinzento e sentia-se sufocar com o aperto do laço que lhe segurava o colarinho da camisa branca.
Com quase uma hora de atraso, porque o tempo não tinha ajudado, a cerimónia teve início com a habitual marcha nupcial.
O senhor Anacleto seguia de braço dado com a filha com a cabeça muito hirta e estática dando a sensação de que ia muito concentrado, ou então, envergonhado com o desfecho que não conseguira travar.
O Padre Simão, começou a homilia, referindo a fidelidade que deveria estar presente num casamento de índole religioso.
O coro de beatas ouvia-se murmurar algo imperceptível, percebendo-se apenas “Ele está no meio de nós…”
Fora do templo, a chuva caía copiosamente, batendo de tal forma forte no abato tecto da igreja que dificultava a audição do sermão do padre.
Quando o sacerdote perguntou se havia alguém que se opunha àquele casamento, que falasse ou se calasse para sempre, um relâmpago iluminou a igreja de tal forma que colocou as beatas em reza e bênção incessante.
Simultaneamente uma voz tímida e fresca fez-se escutar. A amante desprezada saiu-lhe com impedimentos na igreja, afirmando que tinha duas testemunhas que viriam jurar que o rapaz lhe prometera casamento a ela.
Xico sorriu e replicou que chamasse as testemunhas, na certeza de que só jurara diante de duas simples cobras. A rapariga então chama:
Vinde, cobras minhas testemunhas…
A chuva vos manda vir, a Lua vos irá fazer falar, para me valerdes neste lugar.
As cobras entraram pela igreja dentro; cada uma delas vai enroscar-se nas pernas do perjuro e só o largam, quando ele se prontifica perante toda a comunidade presente a casar com Joana, deixando a noiva só no altar atónita com o que tinha presenciado.
Um a um os convidados abandonam a casa de Deus em sepulcral silêncio e com o semblante carregado.
Em segundos toda a gente se recolheu. No átrio da igreja, apenas o pastor e Joana permaneciam em transe olhando-se nos olhos, como dominados por algo que ainda tentavam compreender.
Então o jovem tentou sacudir do rosto da rapariga as fortes gotas de chuva que tombavam do céu como lágrimas constantes com a manga ensopada do seu casaco e num gesto místico beijou-lhe os lábios de forma suave. Segurou-lhe a mão e ao seu ouvido disse-lhe:
- Perdoas-me Joana?
A rapariga respondeu-lhe no momento em que outra testemunha abafou a sua voz com um estrondo metálico seguido de um lampo intenso que cortou o céu em mil pedaços.
De seguida, a chuva parou. Joana e Xico, abandonaram o átrio da igreja da mãos dadas e nunca mais foram vistos.
Adaptação de uma lenda tradicional
JC
3 comentários:
bon dia joao belo texto,como sempre,eu ca estou no meu posto desde as 7 e 30,esperando por uma luz ao fundo do tunel.
Sinto me sem amor proprio,perdi a auto estima e estou a começar a perder aquela força que me carecteriza...sinto me so,sem rumo,com alguma alegria disfarçada.
Resta me o caracter e pouco mais...
Um abraço joao do teu irmao.
Uma lenda muito bonita. São sempre de encantar estas histórias.
Bjoka pa ti
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