Há quanto tempo a cadeira ficou vazia? Não sei, mas o teu lugar permanece por ocupar!
Lembro-me com saudade daqueles caíres de tarde em que com o olhar de anjo agreste me inquirias o que estava a ler.
Se eu pudesse ter prendido esse olhar ao meu, certamente a cadeira continuaria ocupada, a mesa de madeira estaria ainda decorada pelo teu cabelo encaracolado de negro.
Cinquenta anos nos ombros e ainda tenho receio de decidir. Irei necessitar de mais outro meio século, até eu embarcar na derradeira carruagem e hesitarei sempre.
Eu andava numa de literatura russa. Manias dos anos setenta. Acordava com a noite ainda a descansar no seu leito ficcional de etéreas reminiscências.
Na ligeireza da velocidade da luz engolia metade de uma banana, bebia um copo de leite e num som abafado bocejava deixando sair o aperto da saudade sentida durante a noite.
As portas da biblioteca escancaravam-se às nove da manhã e não queria perder a cadeira habitual, o odor, o ritual de sempre.
Sentado na mesa de madeira transversal à estante, sentia-me o monarca dos livros. A leitura sempre cativante fazia-me perder o mundo exterior, trocando-o pela vida cravada nas folhas de papel dos clássicos.
Portanto, deixei-me desvanecer dos propósitos sociais da vida, e unha com carne percorria a lombada poeirenta dos livros expostos à espera que os avivassem.
Comia um pedaço de pão, nunca desviando uma nesga a atenção das páginas pálidas de tão amarelas.
No dia seguinte o ciclo recomeçava. Um dia ela apareceu escondida debaixo dos óculos de massa pretos. Acariciava os livros com mãos delicadas, roçava-as nas capas dos romances.
Levantava-se a meu lado, bocejava com os braços em arco esticava a coluna, arregalava os olhos para mim, como se eu fosse inverosímil, um invento novo, ou o personagem de uma vida refundida.
Passaram alguns dias e a formalidade mantinha-se.
Não me precipitei. Um dia, ao fechar o último livro tomei-a nos braços como impressa e editada para mim.
Acariciei-lhe os lábios, a face e a minha boca tocou a sua com a suavidade estonteante do secretismo.
Afinal de contas, apenas tínhamos, Dostoiesvski, Tolstói, e o resto dos sábios como testemunhas.
Presentemente, as provas são os espectros do meu passado.
Lembro-me com saudade daqueles caíres de tarde em que com o olhar de anjo agreste me inquirias o que estava a ler.
Se eu pudesse ter prendido esse olhar ao meu, certamente a cadeira continuaria ocupada, a mesa de madeira estaria ainda decorada pelo teu cabelo encaracolado de negro.
Cinquenta anos nos ombros e ainda tenho receio de decidir. Irei necessitar de mais outro meio século, até eu embarcar na derradeira carruagem e hesitarei sempre.
Eu andava numa de literatura russa. Manias dos anos setenta. Acordava com a noite ainda a descansar no seu leito ficcional de etéreas reminiscências.
Na ligeireza da velocidade da luz engolia metade de uma banana, bebia um copo de leite e num som abafado bocejava deixando sair o aperto da saudade sentida durante a noite.
As portas da biblioteca escancaravam-se às nove da manhã e não queria perder a cadeira habitual, o odor, o ritual de sempre.
Sentado na mesa de madeira transversal à estante, sentia-me o monarca dos livros. A leitura sempre cativante fazia-me perder o mundo exterior, trocando-o pela vida cravada nas folhas de papel dos clássicos.
Portanto, deixei-me desvanecer dos propósitos sociais da vida, e unha com carne percorria a lombada poeirenta dos livros expostos à espera que os avivassem.
Comia um pedaço de pão, nunca desviando uma nesga a atenção das páginas pálidas de tão amarelas.
No dia seguinte o ciclo recomeçava. Um dia ela apareceu escondida debaixo dos óculos de massa pretos. Acariciava os livros com mãos delicadas, roçava-as nas capas dos romances.
Levantava-se a meu lado, bocejava com os braços em arco esticava a coluna, arregalava os olhos para mim, como se eu fosse inverosímil, um invento novo, ou o personagem de uma vida refundida.
Passaram alguns dias e a formalidade mantinha-se.
Não me precipitei. Um dia, ao fechar o último livro tomei-a nos braços como impressa e editada para mim.
Acariciei-lhe os lábios, a face e a minha boca tocou a sua com a suavidade estonteante do secretismo.
Afinal de contas, apenas tínhamos, Dostoiesvski, Tolstói, e o resto dos sábios como testemunhas.
Presentemente, as provas são os espectros do meu passado.
Agosto/2007
5 comentários:
Vou dizer-te um segredo...esta música acompanhou uma etapa da minha vida que, tal como neste teu "sonho em mim", se desvaneceu já...
mais uma vez, a imagem é bela e forte. O texto...esse, carregado de sentimento, riqueza interior e expectativa. Que foi. Mas será novamente.
Sem palavras, sem razão, sem os instrumentos envenenados de gestos ilustrados, os instintos prevalecem.
Em movimentos profundos que nos fazem unicos, entendo, entendo a coragem de nos deixarmos simplesmente ser.
Um abraço meu amigo desassossegado
Bom fim de semana
Li com carinho, voltarei para saborear.
Bom fim de semana
MARIA
E fico à espera de mais visitas para uma opinião :)
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