quarta-feira, 31 de março de 2010
A rua e eu
A rua à noite sob chuva é um lençol húmido e negro
O vento tange a sua harpa de água
A criança descalça e alheia de portal em portal
Joga e brinca na rua desfolhada
Pés descalços, sujos, sentem o alcatrão
Na rua crua feita de selva urbana
Rebola a bola feita de trapos
Joga despido, conduzido pela imaginação.
Constrói histórias no mundo vazio,
Brinca livremente, voa sorrindo
Corre solto como ave em céu aberto
À procura do seu rumo.
O cão que veio afagar-me com o pelo molhado
O mesmo cão que se fosse de dia me teria mordido
As luzes encolhidas nas copas das árvores
O homem que hesita de chapéu-de-chuva na mão
A carta de amor que flutua à tona da sarjeta
Como vela de nau fugida à descoberta
As barrigas das casas que vão parir amanhã bem cedinho
Os rebentos da cidade.
E eu,
Peregrino de nenhuma crença, com o saco vazio de esmolas
Porque já não são horas de pedir
Trago o silêncio agarrado nos meus bolsos.
E a rua,
Que os meus passos enchem devagar
É preciso que a noite me aconteça
Enquanto represento o que procuro
No palco sem saída.
Prossigo percorrendo o meu sinuoso caminho
Viciado de barreiras e de abrolhos
Um trajecto em que à muito percorro sozinho
A lacuna que os meus olhos reflectem
Caminho tortuoso, complicado
Não sei o que me resta mas percorro
Só sei que já me custa, estou cansado
Mas penso, se parar depressa morro!
Agora que já tenho para onde ir
É que compreendi
Que a rua que me fica para trás
É um poema daqueles
Que nunca se consegue concluir.
É agora madrugada
repouso a caneta, tranco as pálpebras pesadas
aos cansaços,
às imagens,
às palavras,
Repouso o meu corpo no leito
Cubro-me com o cobertor encetado do pensamento.
Como gostaria de saber escrever um simples poema de amor.
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3 comentários:
Que grande luta se trava nesse interior...
A complexidade do pisciano, faz travar muitas lutas no seu espiríto, e tu consegues exprimi-las tão bem.
Beijinho.
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